Podia ser o inicio de uma canção mas é a cor do cenário da urgência climática e da Black Friday. Como é que as duas se relacionam e que importância têm nas nossas vidas?
Por Sandra Dias
A última sexta-feira de novembro é dia de Black Friday com descontos que voltam a repetir-se dias depois, na Cyber Monday. Mais exactamente a 2 de dezembro, coincidindo com o inicio da vigésima quinta Conferência das Partes (COP25) das Nações Unidas Global Climate Change (GCC), em Madrid.
Nesses dois dias o mundo esquece-se da crise climática e embarca numa hipnose consumista. Um comportamento colectivo que se revela uma consolação na felicidade imediata e individual. Acumulamos bens sem pensarmos nas consequências deste excesso para o planeta.
Vamos fazer contas às compras?
Nestes dois dias o consumidor hipnotizado acredita que fará as suas melhores compras na perspectiva de valor, a preços reduzidos. Mas será que este frenesim de compras é realmente vantajoso? As contas devem ser feitas no final e avaliar todos os factores implicados nestas duas datas. O resultado do balanço final vai mostrar o que consumidores, comerciantes e o planeta ganham ou perdem com esses dois dias.
Também eu sou consumidora e é nestas datas que esbarro com a sustentabilidade. Nunca fui uma compradora impulsiva mas sempre gostei de pechinchas. Já comprei diversas coisas guiada pela vantagem do preço mas muitas vezes arrependi-me.
Porque o artigo não tinha a qualidade desejada, não me fazia falta ou simplesmente porque nunca foi utilizado! Contas feitas, sempre que investi neste tipo de compras acabei por perder o meu investimento e contribuir com mais um resíduo, a curto prazo.
Os grandes armazéns e marcas que tanto promovem a Black Friday, para obterem um pequeno lucro têm que investir. Pagar horas extraordinárias aos seus colaboradores para terem tudo pronto nesse dia. Lidar com consequentes devoluções a posteriori, o que implica perda de tempo. E tempo é dinheiro, certo?
E ainda investem em publicidade e comunicação. Estas são algumas das parcelas que entrarão na conta final. Os compradores da Black Friday não são os clientes habituais. Será que estes compradores da oportunidade se vão tornar clientes frequentes ou apenas vão regressar no próximo ano?
Dia Negro
Uma das teorias da origem do nome Black Friday, que data de 1951, é a de que os trabalhadores americanos faltavam aos seus trabalhos evocando doença ou indisposição, no dia a seguir à quinta-feira de Ação de Graças (feriado nos EUA) para terem um fim-de-semana de quatro dias. Um dia negro para a produtividade!
Outra teoria, que aparece anos mais tarde, é que esta designação foi o nome que a policia de Filadélfia e de Rochester, nos EUA, usaram para marcar o dia de maior tráfego automóvel e concentração de multidões. Esse dia correspondia ao inicio das compras de Natal, imediatamente a seguir à quinta-feira de Ação de Graças.
Um dia de enorme poluição no ar causada pelos inúmeros automóveis que circulavam. Resumindo, um dia negro e caótico. As duas teorias enfatizam que a última sexta-feira de novembro é sem dúvida um dia negro em todos os aspectos, social, económico e ambiental. E neste dia é impossível não esbarrarmos com a sustentabilidade.
Emissões de CO2 e aquecimento global
Se na sua essência sustentabilidade representa o equilibro entre os factores social, económico e ambiental. Porque será que insistimos numa fórmula criada pelo marketing que nos alicia e entorpece o raciocínio ao mesmo tempo que nos faz agir contra nós mesmos e contra o planeta?
Em Madrid, sob a Presidência do Governo do Chile e com o apoio logístico do Governo espanhol, líderes políticos e representantes de organizações mundiais, lucrativas e não lucrativas, debatem-se e tentam encontrar meios e medidas para travar o aquecimento global e implementar as metas estabelecidas no Acordo de Paris.
Que visa manter o aumento da temperatura global, neste século, abaixo dos 2 graus Celsius, acima dos níveis pré-industriais e continuar com os esforços de limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus Celsius, até 2030. E nós, o que fazemos?
Compras online na Cyber Monday para contribuirmos com a redução das emissões de CO2 das deslocações que deixamos de fazer. Isso faz-nos sentir menos culpados e mais realizados com as nossas compras. Mas também essas compras têm um contributo nas emissões de gases com efeito de estufa.
As compras online permitem que deixemos de nos deslocar, é um facto. Mas ainda assim, os artigos adquiridos têm que viajar até nós. Nunca as compras foram tão fáceis e possíveis. Mesmo estando em Lisboa podemos comprar o que quer que seja em Nova York ou em Londres. O e-commerce encurtou distancias e torna isto possível.
Só que existe sempre a possibilidade de troca ou de devolução. E todos nós sabemos que compras impulsivas, voltam rapidamente para trás… Estão a ver as viagens que o mesmo artigo pode fazer no processo de aquisição?
Então se fizermos as contas, por alto, vamos perceber o que estas compras representam em emissões de CO2, em packaging, em plástico, e em recursos humanos e energéticos. E com isto tudo estamos a contribuir para o aquecimento global.
Contas feitas e balanço final
O Planeta sai garantidamente prejudicado com o hiperconsumo. Maior emissão de gases com efeito de estufa. Maior consumo energético, para manter os estabelecimentos atrativos e climatizados. E maior utilização de matérias primas para aumentar a produção de artigos em resposta, muitas vezes, às falsas necessidades do consumidor.
Contudo, com a proximidade do Natal, estes dias são uma oportunidade para a compra dos presentes. Na Black Friday, na Cyber Monday ou em outro dia reservado para este tipo de compras, o ideal é saber bem o que se pretende e adquirir todos os presentes na mesma deslocação. Comprar bem, comprar menos e com maior qualidade.
O consumo desenfreado tem a sua quota-parte na crise climática e não parece desacelerar. Se pensarmos bem no impacto das compras impulsivas e repensarmos a forma como consumimos, podemos ajudar a reverter, pouco a pouco, o cenário negro da urgência climática.
Provavelmente, no final da Conferência COP25 das Nações Unidas GCC, a Presidente-designada Carolina Schmidt, Ministra do Ambiente do Chile, fará um balanço pouco positivo do nosso contributo para as metas do Acordo de Paris e para a tão ambicionada neutralidade carbónica para 2050.
As contas feitas no final da Black Friday e da Cyber Monday até podem revelar um balanço positivo das vendas. Mas será que estes dois dias são verdadeiramente vantajosos para todos? Quando conseguirmos alterar os nossos comportamentos de consumo, talvez ‘black is the color of’ perca a sua conotação negativa e volte a ser somente o título da canção romântica ‘Black is the color (of my true love’s hair)’ que Nina Simone popularizou em 1959.
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