Conferência Sustainable Fashion Business

Por Sandra Dias

Lisboa recebe a conferência Sustainable Fashion Business. E Portugal apresenta-se como parceiro estratégico para o sucesso dos negócios de moda sustentável.

Por Sandra Dias

Sempre que se fala de sustentabilidade em moda são apontados números e factos que relacionam o sector ao seu impacto social e ambiental. Quer seja positivo ou negativo. Mas poucas ou raras vezes se tenta relacionar positivamente estes dois aspectos com a parte financeira.

A palavra lucro ganha uma carga negativa e é afastada do discurso do propósito e dos valores das marcas, intencionalmente. Contudo, este último factor é parte da equação para que todo e qualquer negócio de moda se torne sustentável.

E são estes três aspectos em conjunto que a Conferência Sustainable Fashion Business (CSFB), promovida pela Lisboa Green Capital 2020, vai apresentar a 23 de outubro na Academia das Ciências, em Lisboa. Por lá vão passar alguns dos intervenientes, nacionais e internacionais, que se estão a afirmar na inovação da economia circular e da produção sustentável de moda.

Catarina Santos Cunha, fundadora da Kind Purposes, é a responsável pela produção do evento e fala-nos, em entrevista, sobre a importância da conferência e do panorama da Industria Têxtil e do Vestuário (ITV) de Portugal.

Destaca a importância do sucesso dos negócios de moda para o desenvolvimento desta industria. Sublinhando o peso do sector na criação de emprego e destacando a evolução da ITV nacional que passa a apresentar-se como uma solução sustentável, internacionalmente.

Catarina passou pelo Portugal Fashion como coordenadora do projeto internacional e ajudou a desenhar o programa de sustentabilidade dos têxteis portugueses para o atual Governo. A sua formação em Gestão de Marketing amplia a visão que tem da moda. Apaixonada pelo património cultural português acredita que o futuro da Moda envolve os artesãos.

O seu contributo na conferência SFB vai ajudar a apresentar Portugal como pioneiro e parceiro estratégico para o sucesso dos negócios de moda sustentáveis.

Esta entrevista foi editada e condensada para facilitar a leitura.

Catarina Santos Cunha | Kind Purposes

Como é que uma empresa do Porto como a Kind Purposes decide desenvolver este evento em Lisboa?

Foi o vereador [do ambiente, José Sá Fernandes] que me desafiou a organizar a conferência sobre sustentabilidade e moda. E eu disse-lhe: “boa, vamos lá!” Porque ele tem uma filosofia muito importante que é mostrar o país todo em Lisboa. E portanto, trazer um bocadinho a industria, do norte, da sustentabilidade para aqui.

Pode descrever-nos como é que a conferência se vai realizar?

É um dia inteiro até às seis e meia da tarde. A conferência no período da manhã tem inevitavelmente uma parte introdutória sobre sustentabilidade. Porque enfim, nós que estamos na área já sabemos muitas coisas, mas depois temos que pensar que isso não acontece em todo lado. Apesar de termos pensado num evento profissional com presença física tivemos que optar por um evento híbrido ajustado às normas. Neste momento temos a capacidade reduzida a 112 pessoas. Vamos transmitir online permitindo que se assista em lifestream.

Qual é a importância da CSFB para os negócios de moda em Portugal?

Quando falamos sobre sustentabilidade aqui em Lisboa é um bocadinho o que as marcas estão a fazer, as marcas portuguesas. Acho que temos aqui [no norte] um palco de desenvolvimento na área de sustentabilidade muito interessante que não é conhecido no pais. E temos que projetar e mostrar isto internacionalmente. Por isso é que é uma conferência internacional.

O que podemos esperar desta conferência, quais são os objectivos e como vai acontecer?

Temos aqui um conceito um bocadinho diferente do habitual. Em algumas marcas e em debates fala-se sempre dos mesmos temas e começam a repetir-se. Falam dos tecidos, da responsabilidade social e normalmente as marcas falam do que fazem. Portugal faz tanto para outras marcas [internacionais] mas as pessoas não sabem.

É importante mostrar efetivamente o que é que se está a fazer em sustentabilidade no norte do pais para as grandes marcas [internacionais]. E pô-las aqui em diálogo a falarem da experiência do que é trabalharem em Portugal. Explicar que a sustentabilidade é um negócio acima de tudo. Não podemos estar aqui num ângulo em que isto vai deixar de existir. Isto é uma parte da economia muito importante que cria muitos empregos. Agora, pode fazer-se melhor e de outra forma.

E eu acho que por isso, nós somos uma solução em termos de dimensão de produção. É mostrar o que se está a fazer e mostrar isto aqui. Portanto, juntamos fábricas, marcas e projetos. Que serão apresentados e falados na conferência. Onde também temos uma exposição que permite experienciar aquilo que se falou. Vamos efetivamente ter aqui o que está a ser falado.

Que nomes gostaria de destacar e porquê?

Para mim ter alguém que valide o trabalho que é feito na parte da economia circular, na área de moda circular, do projeto de Ellen MacArthur Foundation e ter cá a Laura Balmond, é extremamente importante. Tem toda a validade para dar a credibilidade que nós precisamos.

Como também é importante, já que estamos a falar da área de negócio, ter alguém que nos explique o que é o green capital. Que investimentos e que apoios existem, tanto bancos como investidores. Alguém que nos dê um overview do que os investidores estão à procura. Na parte do ensino para a economia circular, ter alguém do ensino ligado à investigação, que nos explica a mudança no ensino do design de moda nas escolas.

De começarmos a pensar que materiais temos à disposição para desenvolver os produtos e não ao contrário. Destaco também Thomas Berry que é o diretor de sustentabilidade da Farfetch. Que vai falar dos projetos deles e do que o buyer procura hoje em dia em termos de moda. Na parte da tarde temos as experiências. Temos o Alan Crocetti com as joias. Não estamos só com moda! Temos também o Mats Rombaut com os sapatos veganos produzidos em Portugal.

Assim como a Scoop com o Dio Kurazawa. Acho que todos devíamos seguir os projetos que eles desenvolvem de upcycling e o trabalho que Kurazawa faz nesta área para a Farfetch e para a Browns tal como os projetos que vamos ver lá. Temos a Mariah Esa com um projeto feito com excedentes de etiquetas de moda. Que vai estar à venda na Browns. Aquilo é um patchwork, uma coisa incrível.

Temos a Pangaia que é um dos grandes projetos que se fala agora, de Miroslava Duma. Vem a sua diretora de operações. A Pangaia produz cá e já tem escritórios no norte para o desenvolvimento de produto. E um projeto da Tommy Hilfiger que é feito na Scoop com excedentes de produção. É isso que as pessoas não sabem.

Conferencia Sustainable Fashion Business

Como é que a Industria têxtil portuguesa é percepcionada internacionalmente?

Somos ainda uns makers. Uns makers de qualidade, mas é preciso mostrar. É preciso dizer o que se está a fazer. As empresas têm que comunicar cada vez mais. No futuro o consumidor final quer saber qual a origem. Se temos aqui a origem, ela é importante. Nesta transparência, nós temos que existir no processo, não é?

E a moda portuguesa?

Temos alguns designers que são reconhecidos. Agora, como negócio, não podemos dizer que temos algum. Os Marques’Almeida e o Felipe Oliveira Baptista mostram sempre que nós temos talento.

Quais são as principais vantagens competitivas da Industria Têxtil e do Vestuário portuguesa?

Na minha opinião, somos melhores na industria do que propriamente no design. Mas temos designers com muita qualidade.

E as desvantagens?

O problema é que andam todos de costas voltadas. Eu vejo e é uma coisa que já no Portugal Fashion falávamos, é preciso um casamento do designer com a industria. Não só como um mero apoio mas a industria tem que entender que vai existir aqui um caminho em que os intermediários vão começar a cair. Ou seja, a fabrica pode perfeitamente colocar o produto à venda para o cliente final num canal online.

E por isto, podem aproveitar o designer conhecido e incorpora-lo. O caso da Alexandra Moura com a Decénio. É preciso uma nova geração. Os projetos de moda mais velhos já não estão nesta fase de se adaptarem à industria e a estes novos caminhos. Mas é preciso juntar os designers com a industria, coloca-los mais perto da industria e trabalhar projetos aí, mas a construir negócio.

Um estudo da ATP para o Horizonte 2025 afirma que a ITV compete agora pelo valor (moda, design, tecnologia e serviço), está a tornar-se uma ativa vendedora de soluções (full package service) e começa a focar-se no pensamento estratégico sectorial, concorda?

Esta mudança já está a acontecer em empresa de alguma dimensão mas não em todas. O tecido industrial têxtil é composto por pessoas, algumas com uma visão, mas a maior parte vive o dia à dia. O caso das máscaras, eu assisti a fábricas que simplesmente mandavam clientes embora por que estavam a produzir máscaras.

É portanto uma gestão diária. Isto acontece imenso. São pequenas e médias empresas e muitas subcontratam outras quando têm mais trabalho. Falei com uma que está a mandar clientes embora porque não tem capacidade de resposta. Portanto, precisa de subcontratar unidades pequenas, de vinte ou de trinta pessoas. Há imensas.

Será este um dos maiores entraves para se conseguir uma marca Portugal reconhecida internacionalmente?

Tem que se trabalhar de outra forma. Acho que é difícil mas é possível. A marca exige um investimento grande em imagem, e aqui num colectivo. Quem divide e gere a parte de fundos e apoios a essas empresas pode, em vez de estarmos em feiras, prestar outro tipo de serviços. E se canalizarmos estas verbas então para construirmos uma marca? Para fortalecermos as empresas em imagem, em estratégia e em comunicação? O problema é que está sempre tudo em conflito uns com os outros. Há muitos problemas entre empresas.

Mas já estão todos despertos para as questões da sustentabilidade?

Sim porque estão a sentir que as marcas estão a procura-los nesse sentido. As marcas internacionais, todas querem certificações, GOTS, sobretudo. Porque os consumidores de moda e as grandes marcas já estão a olhar para esta temática. E temos aqui uma oportunidade grande. Porque temos empresas com trabalhadores bem pagos. Eu estive muito voltada para a moda dos designers, durante o Portugal Fashion mas quando me virei para a indústria, qualquer pessoa se apaixona e foi o que me aconteceu. Eu sei que o design é importante mas as mãos que fazem aquelas coisas… Há trabalhos que são absolutamente incríveis.

Photo: Anna Sullivan | Unsplash

Temos ótimos artesãos contudo ao investir-se na sustentabilidade tem que se investir também na tecnologia. E se a ITV quer acompanhar as tendências e tornar-se industria 4.0 precisa de pessoas qualificadas. Existem trabalhadores qualificados para estas funções?

Temos trabalhadores qualificados. Eu acho que podemos continuar a ter a mão do artesão nos primeiros passos, e tornar o restante mais tecnológico. Mas acho que esta tecnologia até passa um bocado pelo utilizar de ferramentas tecnológicas para o serviço ao cliente. Porque acho que a industria têxtil em Portugal tem que se tornar uma industria de serviços.

Há coisas que vão sendo substituídas mas é muito importante quando se fala de digitalização. E se olhar para os têxteis vai perceber o que é esta digitalização. Que vem do básico do básico. Eu defendo que não devemos falar muito deste lado.

O Alan Crocetti, por exemplo, vem para cá um período de tempo, e para mim é o expoente máximo de chegar cá e às estrelas [celebridades] ainda por cima nesta juventude, e nesta vibe de joias assim um bocado fora da caixa. São feitas numa fábrica pequena em Gondomar. Esse trabalho é feito ali entre o designer e à peça.

De facto depois há a parte mais industrial da produção em série. Mas esta construção é feita ali, num processo one to one com o artesão. Como o caso da Pangaia, o trabalho de desenvolvimento do Grupo Valérius que tem o projeto 360 com a reciclagem do algodão. É esse trabalho que é parte da história da Pangaia e é esse trabalho que é feito cá.

É possível redesenharmos a forma como pensamos e falamos de valor, crescimento e prosperidade neste sector?

Acho que o valor não se vai transferir. É importante. Eu persigo o hate profit que as pessoas têm. Nós cremos em termos positivos. É importante para o país, é importante para o desenvolvimento da industria, para as pessoas e para o trabalho. Eu só acho que há valores. Não podemos sacrificar determinadas coisas. Podemos ajustar os negócios para uma coisa mais bem feita, com outras preocupações. A própria dimensão das coleções é logo o primeiro ponto. E esse reajustamento da dimensão que é super benéfico para Portugal. Vão continuar a existir os Grupos Kering e LVMH que foram adquirindo outras marcas.

Que desafios se perspectivam nos próximos anos para os negócios de moda, em particular em Portugal?

Assistimos ao crescimentos das marcas independentes, cada vez mais. Essas marcas vão ter muito mais respostas. Efetivamente o cliente vai evoluir nestas questões como aconteceu na alimentação.

Todos nós gostamos das histórias e as marcas estão a agarrar na sustentabilidade, já não na versão freak, como eu chamava, mas sim na versão cool. A sustentabilidade é cool. Isto já está a ser usado nas marcas. As marcas dinamarquesas, por exemplo, são marcas independentes e estão a vender imenso. E eles estão a produzir cá. Em Portugal este tipo de projetos tinham pernas para andar.

Há aqui um caminho. Eu vejo-o com otimismo. Os desafios, encontro-os nas mentalidades para entenderem isto. O desafio é, esta mensagem entrar. Temos que fazer um trabalho estratégico e imersivo dentro das empresas. As colaborações internacionais são uma forma de uma fábrica mostrar o resultado final.

Imagine pegar num designer de Londres vir aqui fazer uma colaboração com uma fábrica para apresentar numa Fashion Week em Londres. Quantas pessoas vão saber e ver que aquela fábrica fez aquilo? As colaborações são muito importantes para se dar a conhecer internacionalmente o resultado final que se está a desenvolver. É levar a industria para a passerelle, é basicamente isso.

Qual é o seu motto?

Na minha vida, pessoal e profissional, as coisas têm que fazer sentido. Se eu não estiver num projeto que me faça feliz e que acrescente alguma coisa, não só pessoal mas também aos outros, não estou bem. Acredito piamente que há um caminho. E é isto que eu quero trabalhar.

Conseguir oportunidades de concretizar aquilo que eu acredito, com a minha voz e fazer passar esta informação. Digo sempre que gosto do ato político, que gosto do fazer colectivo porque preciso de passar uma mensagem a mais pessoas. O meu motto é puxar por este país. Puxar pelas coisas boas que nós fazemos. Mostrarmos e crescermos economicamente com aquilo que sabemos fazer melhor. Porque temos imenso potencial.

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