O que é mais importante, contar ou viver uma história? Os casos bem sucedidos de duas marcas de moda que envolvem as pessoas no seu percurso sustentável.
Por Sandra Dias
Em menos de uma semana participei e assisti a duas histórias de sucesso de duas marcas de moda. Contudo, com percursos muito diferentes. Uma centenária com um historial preenchido de sucessos e muita experiência no negócio da moda. A outra, bem mais recente mas que também já começa a colecionar os seus triunfos. Ambas apostam na sustentabilidade com o objectivo de fecharem o círculo e tornarem-se totalmente sustentáveis.
As suas histórias convergem com o sentimento atual de justiça social e ambiental. Mas antes de as apresentar, quero sublinhar as suas formas de comunicar e de envolverem as pessoas com os seus valores. “Uma empresa sem história é uma empresa sem estratégia”, esta afirmação de Marc Andreenssen (empreendedor e investidor americano) enquadra-se na perfeição com o sentimento que tive ao vivenciar as duas experiências.
De facto, se não existir nada para contar, como é que alguém se pode identificar com as empresas/marcas ou com os seus produtos? Mas será que as suas histórias são suficientes? Acredito que não. Pelo menos para mim, é fundamental haver consistência entre a narrativa e a oferta de produtos. É necessário contar uma história, agir em conformidade e apresentar produtos ou serviços que reflitam esse discurso. A consistência é crucial e ajuda as pessoas a identificarem-se com as marcas.
No dia dezasseis de setembro fui, juntamente com um grupo de vinte pessoas, para a Reserva Natural das Salinas do Samouco em Alcochete para recolher lixo ou se preferirem, para uma Beach Clean Up. À nossa espera estava uma equipa da Brigada do Mar que nos falou um pouco do seu trabalho de limpeza das praias desde 2009 e das muitas toneladas que já recolheram desde então. Com eles, seguimos até à praia fluvial e durante uma hora conseguimos recolher 233,15 quilos de resíduos de consumo (garrafas de vidro e de plástico, latas de bebidas, roupa, sapatos, vários tipos de embalagens, restos de cordas de nylon e até mesmo uma cadeira de escritório, entre outras coisas).
Infelizmente estes resíduos, à exceção do vidro, dificilmente serão reciclados, por motivos técnicos que se prendem com o estado de conservação e de contaminação dos mesmos. Restou-nos a consolação de que deixamos a praia fluvial mais limpa! E saímos de lá felizes por termos vestido a camisola de quem está com a natureza e não contra ela. ‘With nature, not against it’ é um dos statments para a sustentabilidade ambiental que a Levi’s lançou desde que começou a integrar inovações que recuperam biomateriais no seu processo de produção. Sim, a empresa centenária que mencionei no início é a Levi Strauss & Co.
Mas o objetivo era exatamente esse, agirmos em defesa da natureza. Nesta ação não nos falaram dos novos materiais sustentáveis, nos processos de poupança de água ou de novos lançamentos. O foco desta ‘Sustainable Experience’ foi sempre a sensibilização para a preservação dos recursos naturais e do impacte que as nossas ações têm sobre o ambiente. Participar em ações destas sabe bem!
Quatros dias depois num outro cenário, agora no centro de Lisboa, mais exactamente na sede da Associação ModaLisboa, assisti à apresentação da Ecoalf – a marca mais recente que referi no início deste artigo. – Ou melhor, a apresentação das ações e do compromisso com o ambiente e com a limpeza dos mares que a marca espanhola tem vindo a desenvolver desde o seu início, em 2009. Apresentada pelo seu fundador Javier Goyeneche, que afirmou que quer que as pessoas se sintam bem ao vestir a sua marca por saberem como as peças são feitas.
“Reduzir é a melhor solução [sustentável]”. Foi a partir desta afirmação que Goyeneche captou a minha atenção. No início da apresentação, contextualizou o impacte da sociedade de consumo sobre a poluição dos oceanos, exibindo os números e estudos que toda e qualquer apresentação sobre moda sustentável deve expor. Reconheço que são dados importantes para quem não acompanha tão de perto este tema. Mas até aí, tudo me parecia um pouco mais do mesmo. Pelo rumo da sua narrativa esperava que nos apresentasse apenas as novidades da marca, só que fui surpreendida. O principal foco do seu discurso foi a reciclagem e a Fundação Ecoalf.
Falou-nos do projecto Upcycling the Oceans que com a participação de três mil pescadores, desde 2015, já recolheu 700 toneladas de resíduos dos mares. E das inovações desenvolvidas pelo seu departamento de Pesquisa e Desenvolvimento que têm originado novos materiais sustentáveis, ao regenerar materiais pós-consumo. Tal como as redes de pescas e os pneus depositados no fundo dos mares. Envolver as pessoas, neste caso os pescadores, torna a história da Ecoalf realmente comprometida com a causa ambiental e social. O que também contribuiu para a distinção de Goyeneche como Empreendedor Social 2020 pela Fundação Schwab (organização filial do Fórum Económico Mundial).
Do storytelling ao storydoing
As histórias que vão do ‘dizer’ ao ‘fazer’ são as mais difíceis de mostrar mas também são as mais convincentes. As marcas que evoluem para o storydoing exemplificam – ao contrário de Frei Tomás – que o que fazem tem tanto ou mais peso do que o que dizem. Transitar do contar histórias para as ações, envolvendo as pessoas, aumenta a sua distinção. Atualmente já existem bastantes marcas que também têm alguns materiais sustentáveis. Porém, são as que colocam as histórias em prática (storydoing) que se apresentam mais consistentes do que as que apenas contam histórias (storytelling). São estas as impulsionadoras de movimentos que levam as pessoas a participar e a fazer parte das suas histórias.
O movimento ‘Because There Is No Planet B’ nasceu dessa partilha de vivenciar as ações da Ecoalf. Em que as pessoas se sentem bem por vestirem peças mais sustentáveis e ao mesmo tempo contribuírem com uma percentagem dessas compras para a Fundação Ecoalf. Impulsionando o objectivo para 2025 em reunir dez mil pescadores para limpar o Mar Mediterrâneo.
Preservar os oceanos, eliminar químicos nocivos e gases de efeito estufa, reduzir o consumo de energia e de água, e ainda diminuir a utilização de matérias-primas virgens são metas subjacentes ao objectivo de qualquer marca de moda que ambiciona tornar-se circular. Porém, todas sabem que não o vão conseguir sozinhas. Precisam das pessoas e que estas alterem a sua forma de consumir e de descartar todo o tipo de artigos.
Reconhecendo assim, a importância de as levarem a fazer parte das suas marcas e dos seus processos criativos. Quer seja através de experiências ou do sentimento de pertença ao partilhar as suas vivências com a marca. Foi isso que senti a seguir à limpeza da praia, quando participei num workshop de tingimentos naturais, organizado pela Levi’s Portugal e apresentado pela BDA Lisboa, no pátio interior do Selina em Lisboa.
Aí, diverti-me a aprender a fazer um tingimento único. Que dificilmente conseguirei replicá-lo. O resultado final é questionável em termos estéticos – acho que tenho que praticar mais – mas fi-lo com menos de um copo de água e com pigmentos naturais: guilt-free consumption! E esta é a história que tenho para contar que faz parte de outras histórias. Cujas estratégias estão muito bem pensadas e definidas. Afinal, uma “empresa sem história é uma empresa sem estratégia” mas uma marca que não vive a sua história é uma marca vazia e com pouco ou nada para contar.
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