Durabilidade: compre agora use para sempre

Por Sandra Dias

A moda anda em círculos sem saída para os problemas que criou ao longo da sua história. O futuro aponta para a durabilidade. Serão precisas roupas eternas?

Por Sandra Dias

2020 está a ser um ano atípico. Ninguém previu que as boas perspectivas de crescimento económico projetadas para este ano seriam interceptadas por uma pandemia. Vivemos desde fevereiro, à escala mundial, um período de incertezas face ao futuro próximo. É-nos difícil programar os próximos quinze dias porque tudo se pode alterar a qualquer momento. A durabilidade dos nossos planos depende de um enorme número de variáveis, alheias às nossas vontades. No entanto, não parámos com as nossas funções.

A moda, por exemplo, que sempre trabalhou com um ou dois anos de antecedência, continua a preparar o seu futuro. A evoluir naturalmente ao mesmo tempo que reflete sobre o seu papel e contributos na sociedade moderna. Muitos são os que comparam este período com o da Segunda Guerra Mundial, apesar de não existirem danos nos edifícios e nas cidades. Aproveito esta comparação para relacionar a moda de hoje com a moda do pós-guerra, em 1945.

Foi nesse período em que a grande capacidade de produzir roupa em série – fardamento, pára-quedas e acessórios para as tropas – deu inicio ao percurso da moda em direção à sua democratização e posteriormente à fast fashion. Também foi na década de 1940 que as fibras sintéticas começaram a aparecer e a misturarem-se com outras de origem natural. O resultado agradava a todos: tecidos mais baratos e duradouros. Ideais para um período de recessão económica e de rápida produção.

Posteriormente, na década de 1960, o nosso fascínio e sobretudo o dos criadores de moda pelos avanços tecnológicos levaram-nos ao exagero da produção de roupa cem por cento sintética. O Terylene era um must e a space age fazia-nos sonhar com as viagens espaciais. Voltando para o presente, tudo isto parece um dejavú mas reflete exatamente o papel da moda. Espelhar a sociedade e sublinhar a nossa individualidade.

Também agora, no meio da crise pandémica, a indústria têxtil e da moda tenta acelerar os processos tecnológicos e dar resposta à crise económico social e ambiental. As novas gerações, à semelhança da geração do final da década de 1960, também podem desencadear novos conceitos e atitudes em relação à moda.

A moda é o melhor suporte para comunicarmos as nossas ideologias, o nosso humor e o nosso estilo de vida. Só que por mais fieis que sejamos às nossas convicções e ideologias, o nosso humor altera-se constantemente e o nosso estilo de vida também é mais volátil. Como pode então a moda seguir-nos?

É quase impossível para a moda acompanhar as nossas tendências individuais. Incapaz de adaptar-se ao nosso estilo de vida e personalidade sem parar de se transformar e de se reinventar constantemente. Queremos sempre coisas novas e diferentes. Aborrecemo-nos facilmente com os nossos objetos, sobretudo com as nossas roupas. Sem contar, com as fases de crescimento e com as oscilações de peso a que estamos sujeitos.

Esta inconstância da nossa forma de ser, psicológica e física, terá sempre um enorme peso na forma como produzimos e consumimos moda. A sua durabilidade sob este padrão humano tem poucas hipóteses de ser a solução que tantos apontam como a ideal. Insistir na durabilidade é o mesmo que estar em negação. É tentar salvar o planeta com soluções que sabemos estarem à partida destinadas ao fracasso.

Qualidade e Durabilidade da Moda

A tecnologia contribuiu sempre para a evolução da moda. Os seus avanços representam soluções e desafios que têm sido adaptados e integrados nos processos produtivos de todas as indústrias. Cabe-nos a nós fazer o bom uso do seu progresso. E é por isso, que questiono a durabilidade das peças de roupa como uma solução para a insustentabilidade da Moda.

A qualidade e a durabilidade dos têxteis de moda são muitas vezes confundidas. Geralmente as marcas de luxo ajudam a baralhar ainda mais estes dois conceitos. Se observarmos a oferta de moda, facilmente constatamos que peças intemporais com materiais de melhor qualidade são vendidos a preços mais altos.

É facto que as peças de melhor qualidade têm maior capacidade para prolongar o seu ciclo de vida. Por oposição, as peças de fibras totalmente sintéticas ou misturadas com outras naturais, são consideradas de inferior qualidade mas também têm muita durabilidade e são mais baratas.

A durabilidade de uma peça têxtil está associada à maior resistência e menor desgaste que prolongam do seu ciclo de vida. Já a qualidade está associada a propriedades de resistência, de flexibilidade e sensoriais que a peça oferece. Tais como a resiliência, o isolamento térmico, a higroscopicidade, o aspecto e a suavidade que se mantêm por um maior período de tempo.

Contudo, a tecnologia já consegue alcançar nos tecidos de base sintética ou semissintética algumas dessas propriedades de flexibilidade e sensoriais que os tecidos de origem natural têm. Relegando para a fase final do ciclo de vida de cada peça, a verdadeira diferença entre ambas. Umas são naturalmente biodegradáveis e outras levam séculos a desaparecer.

É também por isto que reforço que a durabilidade não deve ser tida como uma solução para a Moda diminuir o seu impacto negativo na Terra. A moda deve renovar todo o seu processo de criação e de produção ao mesmo tempo que envolve outras indústrias neste objectivo. Actuando em conjunto desde a agricultura passando pela fase de manutenção doméstica até ao fim de vida das peças.

Um Clássico Que Não Passa de Moda: Reduzir, Reutilizar e Reciclar

Atualmente existem bastantes Rs mas gosto de guiar-me pela formula mais simples, a dos 3Rs: Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Partindo destas três ações podemos ter a chave, ainda que complexa, para renovarmos e transformarmos a Moda.

A redução não passa somente pelo o número de peças produzidas globalmente, ou pela redução de matérias primas virgens utilizadas. Estende-se à redução da utilização e do consumo de água e de energia. Assim como a redução dos agentes químicos e nocivos para o ambiente e para as pessoas. Porque é a soma de tudo isto que contribui para o aquecimento global.

Culpamos facilmente a fast fashion pelo seu contributo de escalar a produção de moda e queremos que esta abrande o seu ritmo. Mas quando isso e se isso acontecer, será que não nos vamos voltar para outras marcas mais pequenas? Pois esse abrandamento pode abrir espaço para que outras marcas preencham a nossa vontade incessante de consumir.

Perpetuando o ciclo de produção massiva. A moda pode mudar mas nós dificilmente mudaremos. Já não são as pessoas que seguem as tendências de moda, é a moda que segue as nossas tendências: hedonistas e consumistas.

Basta-nos olhar para as redes sociais e ver a panóplia de novas e pequenas marcas que surgem constantemente. Muitas das quais com valores ligados à moda sustentável. Cujos princípios se baseiam, na maioria dos casos, na utilização de materiais de fontes sustentáveis e apoiam a produção local.

No entanto, se seus artigos não forem vendidos e se ao fim de um tempo forem considerados excedente, o resultado volta-se contra principio. E o que pretendia ser uma marca sustentável rapidamente torna-se uma marca excedentária. Mas esta constatação deve aplicar-se a toda e qualquer marca de moda, pequena ou grande. As coleções quando são feitas devem ser compradas e usadas.

A questão do tempo de utilização deve ser reconsiderada. Todos os artigos e em particular os artigos de moda deviam ser pensados, desenhados e executados de forma a serem compostáveis ou facilmente “desmembrados”. Para facilitar a sua reutilização e reciclagem.

Se uma peça de roupa é feita a partir de um tecido de fibras naturais, biológicas ou não, também as linhas com que é cosida deviam ser de origem natural. Tal como as etiquetas de manutenção e da marca. Os aviamentos, como botões ou fechos, deviam separar-se facilmente para ajudar os processos de reutilização ou reciclagem.

Evolução Criativa e Transformativa

É mais fácil anular o impacto negativo da Moda se invertermos a nossa perspectiva. A moda é que se deve adaptar a nós e não o contrário. Não vale a pena perpetuarmos conceitos como a durabilidade se queremos sempre novidades para continuarmos a comunicar a nossa individualidade.

Este conceito têm que sair do armário e evoluir. Podemos continuar a produzir em escala, a criar postos de trabalho e a contribuir para o enriquecimento das pessoas. Só temos que apostar na circularidade certa e na economia criativa.

Se considerarmos que as previsões futuras apontam para o crescimento substancial da população humana. Verificamos que o excesso de produção pode levar à escassez de matérias primas, se continuarmos a produzir e a consumir como fazemos atualmente.

Isso faz-nos transferir para os gigantes da fast fashion e das marcas de luxo a responsabilidade de procurar as melhores alternativas ou soluções. Por serem estes os que mais interesses e recursos têm para gerar uma moda verdadeiramente sustentável.

Podem usar a sua influência para promover as mudanças e as transformações certas. Ao investir na tecnologia e na ciência vão conseguir produzir de uma forma mais eco eficiente. Corrigindo assim, a história da moda sem repetir erros do passado. Evitando recorrer a soluções rápidas, pouco ecológicas e focadas no hiperconsumo para superar um período de crise económica.

2020 está a ser um ano atípico mas pode ser o ponto de viragem. A crise económico social pode durar um par anos a desaparecer mas a crise ambiental está em contagem decrescente. E temos uma década para evitar danos irreversíveis que podem impactar ainda mais as nossas vidas.

Devíamos olhar para o ciclo da água e tentar reproduzi-lo de forma interminável na industria têxtil e do vestuário. Reduzir as matérias primas virgens, reutilizar e reciclar a moda que passa de moda. Promover a renovação do consumo de artigos de moda pré existentes. E dar-lhes a oportunidade de se transformarem em novos artigos.

Ao alterar os modelos de negócios ficaremos todos a ganhar, pessoas, planeta e economia. A moda transformativa e criativa opõe-se aos artigos indestrutíveis pela natureza e obsoletos para a veleidade humana. Na moda do futuro a durabilidade não se justifica. Afinal, não precisamos de roupas que durem séculos!

Algum comentário, pergunta ou feedback? Envie as suas sugestões para hello@terramotto.com Vamos gostar de ler o que tem para nos dizer. Stay safe!

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