Veruska Olivieri fala-nos da sua Be We, do Brasil e de moda mais sustentável. A sua missão? Impacto positivo nas pessoas, no ambiente e um comércio justo.
Por Sandra Dias
Conheci Veruska Olivieri na Be We. Na nova localização da concept store, no edifício Náutico, em Cascais. Mesmo em frente à estação de comboios. Agora a Be We apresenta-se como um postal de boas vindas a quem chega à cidade, pela Marginal. Ainda não tinha chegado e já sabia que ia gostar da sua fundadora e do espaço. De Veruska pouco ou nada sabia. Apenas tinha espreitado a loja online e vi as suas propostas de moda e de artigos de lifestyle, mais sustentáveis.
No percurso até à loja, interroguei-me sobre que tipo de pessoa seria para arriscar investir, em plena pandemia, numa loja física quando todos se apressaram em apostar no e-commerce. E mais, como é que num período tão sensível como o que vivemos agora, com a guerra na Ucrânia, tem a coragem de investir novamente na loja física e desta vez num espaço ainda maior? Imensas questões iam surgindo, mas logo me distraí à conversa com o seu colaborador, que me levava de casa até à loja. Falámos sobre Portugal e o Brasil, e sobre as mudanças que a pandemia trouxe às nossas vidas. Foi durante a conversa que Roberto, ao falar si, mencionou Veruska de uma forma tão sincera que me fez gostar imediatamente dela.
Quando lá cheguei, deparei-me com uma loja ampla, aberta e que se deixa ver na totalidade através da transparência da sua fachada, toda ela de vidro. Lá dentro, as zonas das coleções masculina, feminina e de casa estão bem definidas e harmonizadas pelos tons claros da madeira e pelo escuro das estruturas que suportam as roupas. Entrei e aceitei um café. Veruska quando se juntou a nós, a mim e à relações públicas da Be We, insistiu para que eu continuasse a comer brigadeiros. Já tinha provado um, delicioso por sinal. Mas era demasiado açúcar tão perto da hora de almoço. Ainda assim, não resisti e disse que levaria um para comer mais tarde. Era divinal! Chocolate branco e no interior uma uva branca. Uma combinação improvável, pelo menos para mim.
Antes de percorrer comigo a loja e apresentar-me as marcas aí presentes, e as suas características, Veruska e eu, falámos um pouco. Nesses minutos iniciais, consegui confirmar que não estava enganada. É de facto uma pessoa admirável. O seu percurso profissional e pessoal trouxeram-na para Portugal e levaram-na a trabalhar com marcas responsáveis e preocupadas com o impacto dos seus produtos, no planeta e nas pessoas. Em São Paulo, entre outras coisas, fez consultoria para Flavia Aranha e isso ligou-a à moda e aos conceitos que envolvem a sustentabilidade e a responsabilidade na moda. Onde o comércio justo e as boas práticas ganham destaque. Mas porquê uma loja física durante a pandemia? Isso não saía da minha cabeça.
Veruska mudou-se para Cascais seis meses antes da pandemia. E como depois me explicou em entrevista, a pandemia foi o catalisador de tudo. Pois a sua maior preocupação era o filho. O futuro do seu filho. Será que ele iria ter o contacto que ela teve com a natureza, com os animais? Todo este tipo de privilégios? Em São Paulo isso não aconteceria certamente. Apesar de viver em Campo Belo, uma região privilegiada de São Paulo. Mas aqui, ele está mais próximo da natureza. Lá viviam num prédio. Andavam de carro para todos os lugares. Aqui, vivem perto do mar. E andam a pé. “São Paulo é uma selva de pedra, tudo muito concreto, asfalto”, como afirmou Veruska. Mas que também acha bonito. Acrescentando ainda, “é uma dureza que te deixa acostumada e achas normal.” Justificando-se com um verso da canção ‘Sampa’ de Caetano Veloso:
“Afasta o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade”
E para ela tal como na canção, as pessoas acostumam-se com o que não é belo. Que de tanto ver, acabam por achar belo aquilo que não o é. Foi para contrariar essa apatia geral em relação aos aspectos sociais e ambientais que implementou no conceito da sua loja valores ligados à transparência e à justiça social. Veruska não é apenas uma sonhadora e idealista. Sabe que não consegue mudar o mundo sozinha. Ela é também uma inconformada que nega os limites.
Contou-me que em 2015 teve cancro da mama, depois de ter sido mãe. Um período que a marcou de uma forma única. Ao mesmo tempo que chorava, literalmente a toda a hora, por ter um tumor agressivo, decidiu que tinha que mudar a sua realidade. E com raiva disse para si mesma: “ Daqui eu não saio. Daqui ninguém me tira. E eu só morro quando eu quiser.” Hoje, acha isso uma loucura, mas é com essa fibra que ela abraça os seus empreendimentos. Ou como prefere dizer, “é briga! A pessoa gosta de brigar.”
“Quando tudo está desabando, eu me levanto.”- afirmou. Esta é a sua forma de provar que consegue manter-se sã mesmo em situações insanas. É um traço da sua personalidade que se espelha na Be We. Cujo conceito incentiva e quer fazer parte de uma realidade mais justa e autêntica. Nesta entrevista, Veruska apresenta-nos de forma clara e transparente os valores e princípios da Be We e quais as suas ambições futuras para a loja. Que a fazem sonhar com um futuro melhor para o seu filho e para as futuras gerações.
Esta entrevista foi editada e condensada para facilitar a leitura. Nas respostas da entrevista mantivemos o português do Brasil para não descaracterizar o discurso da entrevistada.
Quais são os princípios da Be We?
Tem uma frase: “Fazer o bem sem olhar a quem”. A [frase] da Be We é “Fazer o bem e mostrar para as pessoas que é possível fazer o bem tendo coisas que nos fazem bem”. A gente envolve o comércio justo e toda a preocupação com a precificação adequada. Ao ajudar o empreendedor a encontrar o seu lugar, a sua voz, no mercado. Porque a gente faz isso. Aqui na Be We a gente ajuda muito o pequeno produtor, a precificar, a se posicionar, a estabelecer quais são os produtos que o mercado está propício a adquirir. Então assim, é uma cadeia de fazer o bem. Porque não adianta eu vender uma coisa – é bom para a marca que está aqui, é bom para a empresa, porque a mantém – se para o cliente aquilo não for relevante.
Uma das nossas principais preocupações é ter um atendimento de relevância para o nosso cliente. Por exemplo, temos uma cliente que já virou nossa amiga e ela falou: “Eu queria muito comprar roupa nova, porque preciso me sentir bem. Mas não consigo ir para a loja.” A gente mandou um vendedor com uma mala. Não só para a ajudar a escolher mas também coordenar as peças que estavam indo nessa mala com aquilo que ela tem no guarda-roupa. Isso é um serviço nosso. A gente não faz só para ela. Mas eu dispenso um vendedor que sai daqui num dia. E no caso dela, foi um dia de bastante movimento, porque foi num sábado. Então assim, é uma coisa que a gente faz e faz com gosto.
Mas por isso. Por acreditar que tem que ser relevante para o cliente, tem que ser relevante para a marca que trabalha comigo. Preciso apresentar resultados. Quando não está performando como deveria, o que é que a gente precisa ajustar? Será que o problema está no mix? Será que o problema está no preço? Será que está na nossa forma de ofertar o produto? De comunicar esse produto? Então como fazer?
Muitas vezes a gente senta com o dono da marca, e fala, “Vamos estabelecer preços de venda do seu produto.” Porque nem isso ele sabe fazer. Isso acontece aqui dentro e é a internacionalização dos nossos valores. A gente diz para todo o mundo, que tem um comércio justo, mas é de fato justo. Se eu não estiver trabalhando para que isto aconteça, para essa cadeia crescer, é só da boca para fora. Então é isso. É fazer o bem, seja para o ambiente, para o comércio, seja para os nossos clientes.
Para além de fundadora da Be We também é, como todos nós, consumidora de moda. Que características considera imprescindíveis numa loja de moda?
O atendimento! O atendimento. Juro por Deus, eu sou uma chata do atendimento. Aliás tem duas coisas, primeiro, quando é roupa, eu gosto de ver o acabamento – eu sou neta de costureira – então eu tenho que ver esse acabamento. Não dá para me deixar roupa com fio soltando. Que eu tenho um ataque. Não compro de jeito nenhum. E não compro, pelo mesmo motivo que eu não gosto de comprar em lugar que não me atende direito. E atender direito não tem a ver com o me mimar ou me ficar bajulando. Não tem nada a ver com isso, tem a ver como o perceber.
É quando me sinto bem num lugar que percebo que as pessoas dão valor pelo meu dinheiro empregado ali tanto quanto eu dou. Então assim, aquele lugar que diz – “Ai tá linda” – nossa, tenho pavor. Não é isso que eu quero saber. Eu quero saber: de onde vem esse produto, por exemplo, e um atendimento cordial. Quer me ver louca? É quando você entra numa loja e ninguém te cumprimenta, ninguém te dá bom dia. Ninguém está lá do seu lado, ninguém pergunta como é que você está. Tem que ser como chegar numa festa e ser bem recebida.
A propósito disso, existe sempre um cantinho na loja reservado para um pequeno café. O desta loja já abriu?
Não, e inclusive a gente vai demorar um bocadinho mais do que estava na expectativa. Com todo esse contexto da Ucrânia e da Rússia, os nossos prazos estão altíssimos. Ia ter que abrir esse café lá para outubro. Outubro é o meu mês mais fraco. Eu já vinha com essa sensação, depois comecei a receber os prazos. E aí eu falei, cara vai ser extremamente irresponsável da minha parte. Porque na hora que o meu negócio mais precisa de mim e de capital, eu vou estar tirando capital para abrir um outro negócio.
Eu tenho doze funcionários. Não posso agir de maneira aleatória ou irresponsável, porque há famílias que dependem desse negócio. Então resolvi não arriscar nesse momento. Eu enfrento mas nem tanto. Porque existe um limiar entre ser cabeça dura e ser responsável. Sabe ser conservadora demais? E aí acho que esse é o ponto em que eu devo ser conservadora. Então a gente vai abrir o café para o ano que vem. Essa área já foi toda reformulada e aí já tem uma área Casa. E estão acontecendo várias Pop-ups.
Ou seja, não desperdiça nada. Não é só o desperdício físico mas também o desperdício de ideias, de meios, de pessoas e de talento. Por falar em desperdício, certamente é também uma das suas preocupações com a moda. Que soluções acredita serem essenciais para o evitarmos ou diminuirmos?
A gente teve uma ação pensado nisso. Ficamos sabendo que várias marcas tinham um estoque [parado]. Nós trabalhamos num modelo de consignação. Então o que é que eu alinho com as marcas? — E porquê a gente faz consignação? Porque o dinheiro que eu gastaria, deixando essa peça encostada no meu estoque, eu invisto em comunicação. E uma comunicação que está muito mais voltada para a marca do que para a Be We, propriamente dita. Então esse é o nosso modelo de negócio —. E aí, eu percebi que algumas das marcas que a gente trabalhava, estavam com estoque bastante alto de coleções antigas, em função dessa história da pandemia.
Termos campanhas de desconto não é uma coisa que eu goste. Eu realmente não gosto da política de desconto. Entendo que o mercado puxa isso e que a gente não pode estar totalmente desconectada com essa história do mercado. Mas o que é que a gente instituiu? Duas vezes por ano a gente vai fazer um Bazaar. E esse Bazaar tem peças em setenta por cento de desconto. Eu diminuo a minha margem, a marca diminui a margem deles, para que a gente possa escoar. Porque no final das contas depois que você vir uma coleção, aquele excedente é a fatia do seu lucro que ficou por fora. Ela vai se perdendo e cada vez mais.
Então o que acontece? Essas marcas trazem para cá [o estoque parado], a gente investe na comunicação e na divulgação do Bazaar em duas épocas do ano, em março e em setembro. Porque nessas datas abre espaço para as coleções novas. E faz preços, durante uma semana, de chão. São preços muito atrativos, muito competitivos e a gente acaba com o estoque. E foi ótimo, porque as marcas ficaram felizes. A gente ficou feliz. O nosso cliente também, que pode consumir num preço super bom.
E a gente não prostitui o mercado. Porque no final das contas, essa história de aí o Black Friday, aí o não sei o quê, o desconto disso, o desconto daquilo. Cara! Que indústria é essa que dá conta? Desse jeito está explicado porquê que vai procurar coisas da China, de trabalho escravo. Porque isso não se sustenta. Não dá para consumir justo e trabalhar com esse calendário.
O que sobrou desse Bazaar, está na loja online, mas é pouca coisa. Quando a cliente vem ao Bazaar, ela já sabe que ali é o que encontrar. E foi isso. Aí de novo, a gente é relevante para o nosso cliente. Faz o bem para o estoque da marca que trabalha comigo. Faz o bem para o cliente porque encontra, às vezes, a super oportunidade. E para a gente também. Porque a gente também tem resultados em cima disso.
Contou-me, na minha visita à loja, que ao início não foi muito fácil chegar às marcas e que agora esse cenário inverteu-se. E tem que fazer uma seleção rigorosa porque há cada vez mais marcas que querem estar na Be We. Quais são os principais critérios da sua seleção?
Esse critério de seleção sempre existiu, era muito abusado. E não era no sentido de ser prepotente, não. Era mesmo no sentido de dar a nossa cara para esse espaço. De ter o reflexo daquilo que a gente é.
Primeiro é ter os valores como os da Be We. Tem que ser de comércio justo, consumo local, ter alguma questão relacionada ao impacto positivo, seja ele econômico, social ou ambiental. Tem que ter essa história para contar. Esse é o ponto número um. Segundo ponto: a qualidade. A marca sempre manda uma peça ou um conjunto de peças para que a gente veja a qualidade, veja a durabilidade. E a terceira questão, aí eles entram numa “fila” – como a gente tem alguma rotatividade, por exemplo, o que tem de beachwear hoje, no final do ano você não vai encontrar –. Eu tenho marcas que entram e marcas que saem. Às vezes não têm capacidade para voltar. Aconteceu muito isso com a pandemia.
Então vamos lançar uma área que se chama LAB. Ainda não está sendo divulgada, a gente ainda está preparando. A área LAB são aquelas marcas que entram num formato menor. Elas entram com um tempo definido e recebem em contrapartida, toda uma inteligência de mercado. De quem é o nosso consumidor. O que ele gosta, o que ele não gosta. A gente também se debruça por cima dele e diz, olha, você está cobrando, sei lá, trinta euros nessa peça, mas podia estar cobrando trinta e cinco. Vamos lá, vamos pensar: quanto que está a sua água, a sua luz, quanto é que você paga para a costureira? Vamos refazer isso tudo. Tem margem ainda? O mercado aceita pagar? É um colo técnico.
Qual é a sua maior ambição para a Be We?
É que a Be We se torne sustentável e que realmente tenha um impacto positivo, para as marcas que nos fornecem e para todo o nosso ecossistema. Para que a gente possa contribuir para que o nosso consumidor esteja antenado e mais voltado para essas preocupações, do que está hoje. Que esta sensibilização esteja mais próxima. O futuro do meu filho agradece e acho que o filho de todo o mundo agradece. As nossas gerações futuras agradecem.
Mas que a gente também seja relevante e tenha um papel ainda mais intenso para as marcas que estão connosco. No segundo lockdown, foi muito duro ouvir de algumas marcas que eles estavam a ponto de fechar. Eu pensava toda a vez, nos sonhos que depositei aqui dentro. Na energia que depositei aqui dentro e pensava que eles deviam ter feito a mesma coisa quando abriram os seus negócios. Confesso que vindo de uma estrutura “capitalista” eu não consigo pensar em nada mais socialista do que você dar emprego e dignidade para um grupo de pessoas. O pagamento justo para um grupo de pessoas.
Prevê expandir a Be We?
Pretendo. Agora é o momento de pensar na gente e o primeiro movimento de expansão que acontece é a Be We em formato de Pop-Ups em outros países, em outras cidades. E tenho ainda a intenção de abrir mais duas lojas. Talvez uma dentro de Portugal e depois outra fora. Essa de Portugal eu começo a repensar em alguns momentos, se o movimento mais para o lado não será melhor. Então é nessa segunda loja que fica num ponto de interrogação. Porto? Madrid? Eu acho que a terceira acontece num país nórdico. De conceitos mais enraizados em relação aos conceitos da Be We. Um estreitamento de valores. Mas sem pressa.
A ideia é que as Pop-Ups sejam essa forma de sondar o mercado. De entender como funciona. Porque o nosso maior desafio, não é abrir a loja. Mas do mesmo jeito que eu hoje dentro dessa loja tenho um grande grupo de marcas portuguesas, é ter marcas locais nessa [futura] localidade. Então o problema não é só o mercado. Entender se o mercado está apto ou não e se os hábitos de consumo dão certo ou não. Mas quem são as marcas locais que a vão compor, que entram nessa outra BE WE? É esse o nosso desafio.
Qual é o seu motto?
Tenho uma frase que está sempre gravada na minha cabeça e eu acho que é ela o meu motor. Que é uma frase do Ayrton Senna, ele dizia “ Quando eu penso que cheguei no meu limite, descubro que tenho forças para ir além.” Eu acho que é esse o meu motto.