Navegar Pela Natureza

Por admin

Os passeios de barco pelo rio Tejo podem ser, e são ecológicos no Escaroupim. Rui Domingos, um dos sócios da Rio-a-Dentro, apresentou-nos num maravilhoso passeio pelo passado, presente e futuro, este tão bem guardado paraíso natural.

Por Sandra Dias

Com surgiu a Rio-a-Dentro?
A Rio-a-Dentro foi devidamente planeada e desenhada para o nosso rio Tejo. Na nossa Aldeia que é o Escaroupim, no concelho de Salvaterra de Magos. Foi sendo sonhada e trabalhada desde os finais dos anos 90, por mim e pelo meu irmão Luís Domingos. Um projeto que já levava alguns anos de pesquisa e trabalho, e que acabou por surgir em 2008. Mas foi em 2011 que começamos a operar. Escolhemos este troço porque o conhecemos desde criança. Foi com o nosso avô José Tomás que aprendemos a amar e a respeitar este rio. O nosso avô era um pescador Avieiro, alguém que respeitava e conhecia o rio como ninguém. Com ele descobrimos todos os seus recantos. Era um prazer navegar rio a dentro e ouvi-lo falar do Tejo. Contava histórias e mais histórias, falava das plantas, dos peixes, das aves e dos lugares. Tudo tinha um nome e uma história para contar. Foi através dos seus “olhos” que nós descobrimos este rio maravilhoso, cheio de vida e de paisagens únicas. E é desta forma que gostamos de o dar a descobrir aos nossos clientes, “através dos olhos e das palavras do nosso avô”.

Trocou o frenesim da cidade pela tranquilidade do campo, foi um processo fácil?
Quando se tinha uma vida profissional como aquela que eu tinha, a única coisa que se pensa é ter tempo e alguma paz. Mudar de vida, era um objectivo. Não é fácil, mudar a vida toda de uma vez. Chegar e “desligar todos os botões” que temos em funcionamento numa cidade como Lisboa. Isso é quase uma utopia. Na verdade, eu ainda não consegui vir morar para aqui a tempo inteiro. Ainda não tenho o meu espaço. Por enquanto fico mais por cá ao fim-de-semana e no verão. Talvez este ano eu consiga começar a ficar mais tempo.

E porquê Salvaterra de Magos, Escaroupim?
Por aqui tenho as minhas raízes.  O Escaroupim, foi o local onde nasci e cresci. Os meus país vivem ainda hoje por cá. Os meus avôs maternos foram os fundadores do Escaroupim, tal como agora o conhecemos, como uma Aldeia de Pescadores. E eu nunca me imaginei a viver muito longe e sem poder cá vir. Sempre andei por longe, por vezes longe demais. Mas se não viesse cá ao fim-de-semana, a semana parecia ter 15 dias. E também sinto que devem ser as pessoas que amam a aldeia a fazer alguma coisa de bom por ela. Se não formos nós quem será?

O que é que este sítio tem de tão especial?
Sempre me senti muito ligado ao rio, às plantas, às aves, à natureza no geral. Aprendi desde muito cedo a reconhecer o quanto é bonito e único o nosso rio Tejo. Estamos só a 60 quilómetros de Lisboa mas conseguimos navegar por vezes um dia inteiro e não vermos vivalma no rio. Em que outro sítio podemos navegar por entre margens verdejantes e o azul do céu? Por entre Ilhas de todos os tamanhos e feitios, por canais secundários que são simplesmente fantásticos e paradisíacos? Onde podemos ver bem de perto cavalos a pastar livremente pelas ilhas? No verão podemos tomar banho nas muitas praias desertas de areia limpa. Observar milhares de aves que por cá nidificam. Não estamos no Paraíso, mas não devemos estar muito longe. Por aqui, em pleno rio conseguimos encontrar paz.. Os nossos clientes sentem e comentam que “os nossos passeios os ajudam a recarregar as baterias e calibrar as prioridades”.

Ilha dos Cavalos, Ilha das Garças, Ilhas dos Amores… são várias as atrações que o rio nos oferece aqui. Deve ter os seus favoritos. Para si, quais são os mais especiais?
No rio não há dois dias iguais. Não conseguimos ter dois passeios exatamente iguais. E não é preciso esperar pela mudança das estações ou da hora. Basta mudar a maré já temos um passeio totalmente diferente. Na primavera fica de repente tudo verde, milhares de aves a nidificar na Ilhas das Garças, a Ilha dos Cavalos é sempre um momento alto nos Passeios de Natureza. Não há assim tantos lugares onde se pode ver os cavalos em regime livre. A ilha dos Amores é excelente para tomar banho. Mas eu prefiro os canais secundários. Navegar literalmente por entre bunhos e tabuas (plantas) é simplesmente uma aventura, é quase como estivéssemos por África ou em outro continente.

A ilha das Garças faz parte do Roteiro Turístico – Turismo de Natureza, Observação de aves, do Turismo de Portugal. Que tipos de aves podem ser vistas aí?
No geral o rio Tejo é uma zona fundamental para a sobrevivência de muitas espécies de aves, que por aqui encontram alimento e refúgio. Outras espécies procuram o rio para nidificar e são às centenas na primavera. No geral, temos sempre aves o ano inteiro, mas também vamos tendo alguma rotatividade de espécies. Na primavera chegam as que vêm do Norte de África e que vêm nidificar e que depois partem no fim do verão. E são substituídas pelas que vêm do norte da Europa, que vêm para passar o inverno. Mas temos sempre as residentes, e não são poucas. A ilha das garças é simplesmente única e fantástica. Aqui nidificam sete espécies diferentes, Colhereiro, Íbis-preta, Garça-cinzenta, Garça-branca-pequena, Garça-boieira, Garça-noturna e Garça-laranja.

Qual é a melhor época do ano para as observar? Existem regras?
Depende sempre das espécies que se pretende observar. Para um observador generalista, é sem dúvida a época de nidificação, que começa em março e se perlonga até agosto. Além das que observamos na ilha das Garças. Podemos também observar as colónias das Andorinhas-das-barreiras e dos Abelharucos, ou as Águias-Calçadas e os Milhafres-pretos. Só para falar das mais comuns. Existem sempre muitas outras espécies que escolhem o nosso rio para nidificar. Em 2018 tivemos por exemplo os Mergulhões-de-poupa que foi uma novidade e este ano já cá andam vários casais.

Esta descoberta do rio fica ao sabor da maré? Até que ponto as marés condicionam, ou não, os passeios?
Muitas zonas do rio Tejo estão assoreadas, no Escaroupim estamos no último terço navegável do Tejo. E o rio só é navegável porque temos as marés. E as marés e os seus ciclos são fundamentais para estes habitats. As praias, os esteiros e os lodaçais são os locais onde se alimentam aves e peixes. Ter ou não ter maré, não nos impede de navegar ou de ter passeios, pelo menos por agora. No futuro vamos ter certamente graves problemas, se nada for feito. O ciclo das marés vai sempre condicionar os nossos Passeios de Natureza e também os de Observação de aves. Não podemos dizer que o rio é mais bonito com ou sem maré, é simplesmente muito diferente. Por exemplo, quando temos maré, podemos navegar mais pelos canais secundários, mas não vamos ver as praias.

Existe uma época alta?
Embora esteja lentamente a mudar, as pessoas ainda associam os passeios de Barco, ao sol e ao bom tempo. Só começam a fazer reservas quando surgem dias de sol em fevereiro ou março. Por isso, a época alta é sempre a partir da primavera e vai até outubro. Mas na verdade a época que mais gosto é no inverno. As árvores e as plantas mudam de cor. Deixamos de ter os verdes e passamos a ter os amarelos, os laranjas, os vermelhos e os castanhos. E como a luz muda o rio fica simplesmente lindo nos dias de sol. É simplesmente fantástico. E se chover uns pingos? Os barcos têm cobertura total e a água não entra. Cada vez há mais clientes que pensam como nós e querem conhecer o rio também no inverno. O que é muito bom.

Qual é a melhor hora do dia para um passeio pelo Rio-a-dentro?
A Rio-a-Dentro tem várias opções de escolha quanto aos horários. No geral, temos passeios de manhã, das 10h30 às 13h00 e de tarde das 14h30 às 17h00. No verão como os dias são grandes, ainda temos das 17h30 às 20h00. Que é o passeio do Entardecer e que tem sempre muito sucesso. Recomendamos os horários sempre de acordo com os objectivos dos clientes. Quem vêm para observar e fotografar aves, prefere vir de manhã. As famílias com crianças preferem vir de tarde para não as acordar cedo. Mas se for um grupo grande, não temos nenhum problema em adaptar os nossos horários às suas necessidades.

A embarcação é amiga do ambiente. Esta escolha e decisão deu-se porque motivo?
Proteger e cuidar do nosso rio Tejo. Este foi sempre um objectivo da Rio-a-Dentro. Lembre-se que nós conhecemos este rio desde que nascemos e fomos vendo não só as transformações que ele foi sofrendo – e sofrendo é aqui a palavra chave – e as consequências desse mesmo dito desenvolvimento. Sempre que se fazia uma obra e se falava em desenvolvimento. Na verdade, era um retrocesso e o rio o seu ecossistema é que sofria. A natureza e os ecossistemas não aguentam mais atropelos. E era exatamente isso que nós queríamos inverter. Queríamos provar que é possível trazer desenvolvimento seguindo as melhores práticas ambientais. Pensamos mesmo que com o nosso exemplo, com a nossa micro escala e com as nossas limitadas possibilidades, estamos a conseguir. Depois, nós adoramos estar no rio. Na verdade alguém tem de cuidar um pouco dele. E nós achamos mesmo que uma das melhores formas de o proteger, é dá-lo a conhecer. Acreditamos, que quanto mais for conhecido mais protegido ele será. O conhecimento é fundamental para a preservação. É assim aqui e em qualquer lado. Cada pessoa que a Rio-a-Dentro consegue trazer para conhecer o nosso Tejo, é um potencial amigo e defensor do rio Tejo. Conhecer para preservar.

Têm parcerias com a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), com a Liga para a Proteção da Natureza (LPN) e com a Quercus. Como é que se verificam na prática?
Na prática oferecemos desconto de 20% aos sócios destas organizações. Mas também fazemos atividades em parceria com algumas destas ONG’s. Por exemplo fazemos regularmente atividades com a SPEA. Mas acreditamos que há muito espaço para crescer nestas parcerias.

O respeito pelo meio ambiente é uma prioridade ou obrigatoriedade, porquê?
No que diz respeito ao ambiente tudo é uma prioridade. Não há outro rio Tejo. Não há outro planeta Terra. Ninguém nos obriga a ter preocupações ambientais superiores à que a lei impõe. Mas nós exigimos a nós mesmos. Ninguém nos obriga a retirar lixo do Rio: garrafas de vidro e de plástico às centenas;  sacos de plásticos; sofás; frigoríficos e até já retirámos uma arca frigorifica do rio. Mas nós retiramos porque não gostamos de ver o nosso rio, assim pouco cuidado. Também ninguém nos obriga a plantar árvores e a por estacas de vivas que vão originar novas árvores em zonas onde fazem falta, e nós fazemos. Lembre-se que o ser humano evoluiu ao longo dos tempos fazendo parte da natureza. Caminhado por entre árvores, montanhas e rios, ao ar livre, a ouvir o vento e as aves. A correr a trás dos veados e a fugir à frente dos lobos. E não fechados dentro de quatro paredes em cidades de betão, a ouvir buzinas 24 horas por dia.

Foi fácil por em prática?
Na prática tudo se complica sempre um pouco mais. Temos que fazer permanentemente um maior esforço financeiro. Tudo é mais caro e com as primeiras avarias as coisas complicam ainda mais. Por exemplo, acabou por não haver um representante por cá da marca e foi muito complicado encontrar quem nos pudesse ajudar a resolver esses problemas. Hoje a Rio-a-Dentro é conhecida por ter serviços diferenciados e de qualidade. Pela atenção ao detalhe, pelo conhecimento do rio e das espécies que por cá habitam. E também porque encaramos a questão ambiental com cuidado e preocupação. Muito se deve a essa primeira opção, que foi começar logo com um barco de motor elétrico, “Amigo do Ambiente”, que não liberta CO2, nem faz barulho e muito menos liberta óleos.

É possível manter os princípios ecológicos do Rio-a-dentro no panorama socio económico português?
Possível, é sempre possível, mas se é rentável? Se é economicamente viável? É certamente mais complicado, os custos também são superiores, basta pensarmos nos preços dos materiais e as contas já começam a ficar mais apertadas. Mas pensamos que esse é o caminho. A natureza está primeiro. Este é o principio que não gostamos de abdicar. Infelizmente, para podermos ter mais autonomia durante os passeios, decidimos ter outros barcos e tivemos que optar por motores a combustão, mas fizemos questão que fossem o mais amigos do ambiente possível, mesmo sendo bastante mais caros, isso é algo que nos orgulha.

Dentro do turismo ecológico e de Natureza, estes passeios de barco são um conceito inovador, em Portugal. Contudo o aspecto e o design da embarcação é vintage. Inovação e tradição combinam?
Claro que sim! E quem o diz são os nossos clientes. Em 2010 o nosso Rio-a-Dentro, era o barco tecnologicamente mais evoluído e moderno no Tejo e hoje não deve estar muito longe disso. O nosso objectivo não era fazer uma viagem num barco com design espacial super moderno, nem num barco tradicional do Tejo. Para podermos navegar silenciosamente por entre ilhas e canas em plena natureza, entre o azul do céu e o verde das margens, decidimos que o melhor caminho era evocar o espírito de aventura das expedições do séc. XIX. Com este “design vintage” que ainda mantemos em todos os nossos barcos conseguimos dar um pouco de charme e de glamour aos nossos passeios, que de outra forma seria impossível. Afinal até faz todo o sentido, o rio Tejo era e ainda é, em parte, um rio desconhecido e por descobrir.

Passear pelo Tejo e só a escutar a natureza, é o vosso melhor cartão de visita?
Navegar em plena natureza, fazendo o menor barulho possível e interferindo o menos possível com a natureza, plantas e aves. É certamente um grande cartão de visita, mas temos que somar ainda a qualidade e o conforto dos barcos Rio-a-Dentro e o conhecimento dos guias. Os nossos guias conhecem o rio, as aves, as plantas, os peixes, a história e as histórias do rio, porque nasceram lá e são pessoas que gostam e se preocupam com o rio. E no fim do dia, isso faz toda a diferença. Mas há que lembrar que o nosso rio Tejo é um rio lindo, cheio de vida, com margens verdejantes, com muitas Ilhas, praias, canais secundários e milhares de aves. Em que outro lugar do mundo podemos ir confortavelmente sentados e observar bem de perto cavalos a pastar livremente pela ilhas? Ou observar na Ilha das Graças, centenas e centenas de aves de sete espécies diferentes a nidificar? Acredite que não há assim muitos lugares. E tudo a menos de 60 quilómetros de Lisboa.

Em 2014 a Rio-a-dentro recebeu uma Menção Honrosa de Melhor Animação Turística pelo Turismo do Alentejo e Ribatejo. O que representou esta distinção?
Ver o nosso trabalho reconhecido é sempre bom. Mas preferimos valorizar os sorrisos, a alegria e espanto da descoberta no rosto dos nossos clientes. Valorizamos mais os emails e as palavras de agradecimentos que nos enviam ou deixam nas nossas páginas das redes sociais. Valorizamos mais as partilhas e as recomendações que fazem nas redes sociais. Valorizamos quando os clientes repetem o passeios com outros amigos, ou quando alguns clientes nos dizem que vieram “porque uns amigos vieram fazer o passeio, e no dia a seguir, passaram a manhã a mostrar fotos e a ouvir falar do rio Tejo e da Rio-a-Dentro”. Isto sim é um prémio. Valorizamos mais o “Certificado de Excelência, Tripadvisor”. Uma distinção que muito nos honra, porque é um prémio atribuído por iniciativa dos nossos clientes. No fundo, são só indicadores, algo que nos diz que estamos no caminho certo, nos incentiva a continuar e a lutar por prestar um melhor serviço aos nossos clientes. Mas também nos diz que a nossa aposta no rio Tejo e na Natureza é válida.

Descreva por favor um dia bem passado no Escaroupim.
Chegar ao Cais do Escaroupim de manhã, num dia sereno e calmo e sentir toda a toda a calma do azul do céu e do rio. Se estiver um pouco de nevoeiro é ainda melhor. Embarcar Rio-a-Dentro e chegar ao fim de 10 minutos à ilha das Garças e ver, ouvir, até cheirar as centenas e centenas de aves que por cá nidificam, é algo único e que a todos surpreende. Passar pela Ilha dos Amores a caminho de Valada, uma linda aldeia ribeirinha, que vista do rio é simplesmente uma delicia. Passar pelos cavalos que pastam e correm pelas ilhas em plena liberdade, desperta-nos sempre os sentidos. Depois avançar pelos canais secundários, cheios de vegetação, arbustos e juncos. Quando algumas espécies estão floridas fica tudo cheio de pequenas flores, é simplesmente belo. No verão, parar numa ou noutra praia deserta de areia limpa e tomar banho ou simplesmente, por os pés na água e caminhar descalços pela praia. Sabe tão bem e as crianças adoram. E como a hora de almoço se aproxima, está na hora da chegada. Almoçar no Escaroupim mesmo junto ao rio e comer um prato típico como as Enguias fritas, faz também parte do programa. Os mais curiosos podem ir visitar na aldeia o Museu Escaroupim e o Rio e a Casa Tradicional Aveira. Para poderem perceber um pouco mais do que viram. No regresso a casa passar por pela Falcoaria Real em Salvaterra de Magos, para ver as Aves de Rapina e os treinos de voo. E ainda passar pela Pastelaria “Cabana dos Parodiantes” para provar os famosos “Barretes” que são umas queijadinhas deliciosas. Acreditamos que este é um dia bem passado. No verão o Passeio do Entardecer é simplesmente fantástico. É um resumo apressado, mas acredite que o passeio não é. Porque para andar a correr já chega o dia-a-dia e os nossos clientes sabem muito bem isso.

Qual é o seu motto?
Nada é impossível. Pensar pela nossa cabeça. Seguir em frente e fazer o que está certo e nos deixa dormir descansados ao fim do dia. Encontrar novas soluções, novos pontos de vista, trabalhar com muita dedicação e afico. Não desistir, lutar sempre, porque se fosse fácil todos conseguiam e já não era para nós.

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