A moda eco consciente e com pertinência de Carla Pontes

Por Sandra Dias

A designer de moda Carla Pontes fala-nos da sua marca homónima. Como a apresenta e como a relaciona com o tempo: mais lenta, mais próxima e mais consciente.

Por Sandra Dias

Carla sublinha a importância da slow fashion, do movimento Fashion Revolution e de como pretende fazer moda com pertinência. Num período tão especial para a marca, em que procura afirmar-se e valorizar princípios tão simples como identidade e o saber-fazer. Fazer localmente, com materiais locais e optimizando recursos disponíveis.

“O tempo não pára e no entanto ele nunca envelhece” a frase faz parte de uma das canções que Caetano Veloso escreveu – ‘Força Estranha’ –  e assenta na perfeição às criações de moda de Carla Pontes. Intemporais agora e no futuro, num tempo que não tem fim.

Para a designer, criar coleções pertinentes é mais do que acompanhar o calendário sazonal das semanas de moda ou do que seguir as tendências. É um processo que parte do conceito, dos materiais, da concepção das peças, que envolve as pessoas, e é resistente ao tempo.

Em março de 2019 a designer quebrou com o formato de desfile e apresentou a sua coleção ‘Remember where you come from’, durante o Portugal Fashion, numa performance com instalação viva. Em que a distancia entre o publico presente e os manequins se estreitou.

Foram apenas treze coordenados mas os suficientes para romper com o formato tradicional dos desfiles. Esta apresentação leva-nos a repensar o sistema da moda. Como ele é apresentado e consumido. Numa época em que valores como a transparência, a responsabilidade e a proximidade do publico com as marcas é tantas vezes exaltada.

Percebemos que  colocar a moda num pedestal, inalcançável,  não faz sentido. A co-criação começa  a popularizar-se e a ligação emocional com a moda pode estar de novo a renascer. Carla Pontes coloca a sua visão à frente do tempo e no momento presente. Sem excluir nada nem ninguém que a ajuda a materializar a sua moda produzida localmente e com preocupações ambientais.

Coleção Remember I Carla Pontes

Com o apoio do Portugal Fashion a designer continua a introduzir novas abordagens e apresentações. Em outubro de 2019, na 45º edição do Portugal Fashion, enquanto os seus pares apresentaram as coleções de P/V 20, Carla apresentou ‘Pausa’,  uma instalação onde se pode ver a evolução de um conceito.

Da inspiração à criação de uma peça de moda. Uma bordagem nova e refrescante que traduz a essência da moda: criar desejo com objetos (peças de roupa) esteticamente agradáveis e usa-la como código de identidade.

Poupando recursos materiais a instalação convida-nos a fazer uma pausa. A congelar um momento criativo e refletivo sobre o ecossistema da moda. Em que a Moda para além do papel de ditar tendências pode ajudar a transformar e a educar o publico em direção a um consumo mais voltado para a qualidade e não tanto para a quantidade.

No próximo mês de março Carla Pontes vai continuar em PAUSA e apresenta-se apenas no Brand Up (showroom profissional e mercado see now buy now, aberto ao publico) do Portugal Fashion. Esta abordagem ao slow fashion serve para a marca repensar e reafirmar a sua identidade reforçando os valores que a caracterizam.

Em outubro Carla Pontes vai voltar a subir a escadaria da Alfândega do Porto até à sala dos desfiles mas já nada será como dantes. O tempo vai passar e provavelmente o sistema da moda vai reorganizar-se e desacelerar o ritmo em direção a um futuro mais positivo e enquadrado com o tempo de Carla Pontes.

Esta entrevista foi editada e condensada para facilitar a leitura.

Carla Pontes junto da instalação PAUSA I Portugal Fashion

O Desacelerar da Moda Como Atitude

Como define a sua marca e como tem sido a sua evolução?
Sempre procurei a criação de vestuário com desenho intemporal e continuo a achar que esta é a definição que melhor nos assenta. Sinto que estamos a entrar na fase madura da marca. As recentes opções estratégicas demonstram este crescimento e o assumir de um caminho que não se deixa influenciar pela corrente influenciada dos dias de hoje.

Quando é que sentiu que, apesar de ir contra a corrente, tinha que seguir pela via do slow fashion?
Surgiu de uma forma natural, aliás é algo que sempre esteve presente, mas que pouco ou nada era comunicado. Alguns momentos de distanciamento fizeram-me ver que a marca tinha de reforçar esta característica. Tal como a recente decisão de reduzir e apenas apresentar coleções pequenas, pertinentes e em momentos oportunos. Foi o assumir que estamos realmente a abrandar e a ser mais fieis a nós próprios.

A Moda atualmente é um reflexo de um comportamento geracional ou de uma industria focada no lucro?
Na minha perspetiva existem os dois lados, mas não temos todos de seguir as mesmas premissas. Na marca Carla Pontes vemos moda como a criação de modelos de design que vêm reforçar e adquirir identidade na sua relação com quem os usa. Este é o nosso comportamento, a nossa atitude.

Na Coleção ‘Remember Where You Come From’ apresentada em março 2019 no Portugal Fashion, optou por uma instalação viva que permitiu que o publico visse e tocasse de perto as peças. Porquê essa abordagem?
Porque procuro desmistificar a ideia de distância entre o que apresentamos em passerelle e a realidade de alcance para quem vê. Sempre senti que os desfiles criavam uma barreira psicológica de algo inatingível a quem os assiste. Por isso, achei por bem convidar o público a aproximar-se. A tocar e a observar cada modelo mais de perto. A textura e o toque não se sentem com a distancia da passerelle. E a modelação que torna as nossas peças um abraço, não se vê em passagens distantes e velozes (das manequins a percorrer a passerelle).

Fale-me da importância da intemporalidade nas coleções que apresenta.
Intemporalidade é uma linguagem universal para mim. Um não seguir um circuito, uma não estação, um não desvalorizar do trabalho e do produto. É um tempo que não está marcado, que já começou e nunca acabará. É um tempo sem fim. As coleções que apresento valorizam a dedicação e o trabalho na descoberta de cada curva em cada peça. E por isso vivem de formas únicas e intemporais. Não se prendem a um momento ou a estações. Podem ser usadas durante anos e por várias gerações.

O Lado Emocional da Moda e a Fashion Revolution

Acredita que é possível restituir a ligação emocional entre as pessoas e as suas roupas, evitando assim que estas sejam rapidamente descartadas? Como?
Sem dúvida que sim! As peças podem ser um objeto de culto, tal como um livro. Quanto mais se lê, mais ele nos toca. Mais ele se gasta e as suas marcas vão contar uma outra história que nasce na relação com a pessoa que as usa. Acredito que as peças de roupa podem contar estas histórias. Sobretudo quando passam e são tocadas por várias vidas.

No ano passado juntou-se ao movimento Fashion Revolution, pode explicar-nos o que a motivou?
Desde a primeira coleção que trabalho com a mesma equipa e com a mesma empresa, a Exporgal. Quando vi o movimento achei que fazia todo o sentido juntarmo-nos a ele. As nossas escolhas são portuguesas desde a produção do material. Eu própria escolho os fios e desenho os padrões ou escolho as texturas para cada malha. Se o fazemos de raiz, se o fazemos em proximidade, se cuidamos… fazemos parte deste movimento, acreditamos sobretudo que é necessária uma revolução na produção de moda mundialmente.

Quem são a Paula, a Alexandra e o Maia?
São três rostos que simbolizam todas as pessoas que de algum modo ou de outro colaboraram no desenvolvimento e crescimento desta marca. São um símbolo das costureiras, das modelistas, dos técnicos de teares, dos trabalhadores de corte, de remate ou de embalagem. São rostos simbólicos pelo muito e pelo muito bem que se faz na industria têxtil em Portugal.

E eles participaram na ultima “coleção” que apresentou no Portugal Fashion?
Participam em todas as produções de materiais e peças. A coleção apresentada na Brand Up tinha peças que passaram pelas várias mãos de quem colabora com a marca.

Instalação PAUSA de Carla Pontes com co-criação Diogo Mendes | Portugal Fashion

A Instalação Pausa

Mais uma vez decidiu apresentar o seu trabalho em formato instalação. Porquê?
A instalação que apresentei no Portugal Fashion, comunica o meu processo pessoal de criação. O modo como olho para as inspirações e as transformo em peças. A instalação apenas é composta por uma peça e mesmo essa peça não é apresentada vestida. Toda a instalação representa momentos da criação. Com este formato pretendo reforçar a intenção de abrandar.

E o formato de uma instalação permanente durante todo o evento demostra precisamente que o momento não se esgota num horário de desfile. Aproveitei ainda para dar a conhecer o que mais gosto em todo o universo da moda. Que é trabalhar no processo, partir de uma inspiração e chegar a um objeto, único, útil e pertinente. Procuro ainda mostrar que é possível fazer moda sem ter de ceder a pressões comerciais de apresentação de coleções semestrais.

Que apelo pode fazer a quem ainda não despertou para a importância da uma industria que respeita mais a natureza e as pessoas?
Gostava de reforçar que o apelo vai para além da industria. Deve chegar a cada um de nós e às escolhas de consumo – mais conscientes, sustentáveis, (de comercio) local e ecológico – que devemos fazer. Considero que se devem repensar os hábitos da moda, começar por reduzir e escolher/criar produtos unicamente quando estes são pertinentes.

A identidade ganha relevância (nesta instalação) e representa uma forma de manifesto da marca. Que mensagem pretende transmitir?
A mensagem é muito clara: ganhar tempo para o processo! Perante esta necessidade de tempo e na procura da redução, optei por me focar na criação pertinente. Assumo que pretendo quebrar com as apresentações calendarizadas e lançar novas coleções segundo um ritmo mais natural para mim.

Pretendo que o meu produto chegue ao mercado de forma pertinente, por ser algo realmente novo e bem pensado. E não apenas porque os calendários me indicam que já tenho de ter uma nova coleção para lançar. Considero que o nosso planeta não precisa de quantidade, mas sim de pertinência criativa e nesse sentido decidi seguir esta minha natureza.

Numa era em que não escolhemos as peças de vestuário por uma necessidade de proteção, mas sim com um elemento que reforça a nossa identidade. Para mim fez mais sentido apresentar um reforço da identidade da marca do que uma coleção de novos produtos.

O que mais nos pode dizer sobre esta instalação?
A instalação Pausa explora em layers o que nunca é visto num desfile. Apresenta o momento do processo e a sequência de eterno retorno. Parte da inspiração e vai até ao produto. Demostra como tudo acontece de forma faseada e dedicada. Observa ainda como cada fim de processo pode ser inspiração para um novo início.

Como todas as minhas coleções são intemporais e não se querem prender a estações.  Para a instalação selecionei um dos modelos mais icónicos do arquivo da marca e de forma transparente debruçámo-nos no lado mais intimo das minhas criações – o processo.

Quais são, para si, os recursos mais preciosos na Terra?
Precisamos da unidade de todos e sem uns também não teremos outros. Não é uma escolha. Mas eu tenho um especial carinho pelo ar, tão transparente e tão precioso.

Qual é o seu motto para uma moda mais sustentável?
Para mim o primeiro passo está na redução e na consciência de apenas criar moda quando há uma pertinência.

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