Os princípios da economia circular de The Jeans Redesign da Fundação Ellen MacArthur reinventam os jeans. A aposta na circularidade que redesenha a Moda.
Por Sandra Dias
Há oito anos passei a ver a Moda de outra forma. Assim que tirei os óculos com as lentes cor-de-rosa apercebi-me do seu impacto negativo sobre o planeta e nas pessoas. Vislumbrei uma realidade chocante para mim e para qualquer pessoa que se deparasse com os mesmos factos e dados da atividade desta Indústria, em particular a do sector das gangas. Fiquei seriamente preocupada porque sempre fui uma jeans lover e por ser editora de moda numa revista – profissão que comunica e ajuda a incentivar o consumo de Moda -. Na data, a Greenpeace forçava as marcas a comprometerem-se a eliminar químicos nocivos presentes nos tecidos e nas roupas com a campanha Detox My Fashion. Paralelamente a Fundação Ellen MacArthur continuava com o seu ‘Project Redesign: taking the circular economy into school’ iniciado em 2011. Contudo, estávamos longe de alcançar uma moda circular.
Os sectores das gangas e da lingerie são, ou eram, os mais poluentes da indústria da Moda. E talvez por assim ser, a indústria das gangas, também tem sido a que mais tem inovado e melhorado as suas práticas nos últimos anos. De forma a diminuir o seu impacto negativo no planeta e nas pessoas, e isto sem afetar a parte económica. Seguramente o tripé da sustentabilidade ainda está desequilibrado mas os avanços rumo à economia circular atenuam esse desnível estação após estação.
Melhores práticas agrícolas são cada vez mais frequentes, nomeadamente a do Better Cotton Initiative (BCI), a do algodão orgânico e do regenerado. Que juntamente com fibras celulósicas, cânhamo ou algodão reciclado contribuem para o progresso rumo à sustentabilidade social e ambiental no sector das gangas. Protegendo a saúde das pessoas que trabalham nos campos de algodão e a saúde dos solos, ao evitar o uso de fertilizantes e pesticidas. A importância do algodão reciclado também assume um peso importantíssimo para reduzir a utilização intensiva das matérias-primas virgens.
Transitar para uma economia circular é o objectivo mais ambicionado dos intervenientes de todas as indústrias, da Moda à do Automóvel. Contudo, a utilização de materiais mais sustentáveis é apenas um dos vários fatores a ter em conta nesta transição. Onde a redução das práticas poluentes e do desperdício (pré e pós consumo) são tão fundamentais como o design para a circularidade. No sentido em que impulsionam progressivamente as melhorias deste sector tão poluente e gerador de desperdício.
“Tendo em conta o quão consumista e esbanjadora a indústria têxtil é, ainda que estejamos numa fase muito inicial do processo, é fundamental que encontremos uma solução eficaz para a questão da circularidade. […] Ao produzirmos os nossos 501 com materiais reciclados e recicláveis, esperamos provar a nós e a toda a indústria que pode realmente ser feito; que podemos preservar recursos; e podemos criar produtos sustentáveis com boa aparência, que cumprem todos os standards de qualidade.” Afirma Paul Dillinger, Vice Presidente de Design Innovation do grupo Levi Strauss & Co, a propósito do lançamento da nova versão dos icónicos 501 da Levi’s, totalmente circulares.
A transformação do sistema da moda depende desse desafio, que também é uma oportunidade. Redesenhar o seu futuro – garantindo uma melhor gestão de recursos, de processos, de serviços e modelos de negócios – é a chave para a economia circular na Moda. Que pode contribuir para a mitigação dos desafios globais como as alterações climáticas, a perda de biodiversidade, a poluição e o desperdício, e paralelamente criar oportunidades de crescimento que beneficiem as pessoas, o ambiente e os negócios.
The Jeans Redesign ou como redesenhar os jeans para fechar o círculo
Os novos produtos pensados para a circularidade têm uma maior longevidade de utilização. No final do seu ciclo de vida podem ser reciclados e gerar novos produtos de moda. Foi com base nestes princípios que diferentes marcas de moda especializadas em jeanswear aderiram ao Programa The Jeans Redesign da Fundação Ellen MacArthur (EMF).
O Programa foi criado em 2019 e contou com o contributo de oitenta experts de diferentes áreas, que desenvolveram as linhas orientadoras para os parâmetros de design de uns jeans circulares. The Jeans Redesign faz parte da iniciativa Make Fashion Circular, lançada pela EMF em 2018. Cujo objetivo é a criação de novos produtos alinhados com os princípios da economia circular. Criados para serem usados por mais tempo, produzidos para serem feitos novamente, com materiais seguros, reciclados e renováveis. O guia ‘Developing Cradle to Cradle Certified™Jeans’ da Fashion For Good e da C&A, e o relatório ‘A New Textiles Economy Redesigning Fashion Future’, de 2017, da EMF refletem os esforços conjuntos para a excelência do programa.
Desde o seu início novas e diferentes marcas de moda, fábricas e produtores aderem à participação deste programa confirmando a sua intenção e compromisso rumo à circularidade dos seus produtos no qual os jeans são o ponto de partida. C&A, Chloé, Gap, Guess, H&M, Levi’s Strauss & Co., Salsa, Tommy Hilfiger e mais recentemente as marcas do grupo Inditex e Ralph Lauren, fazem parte deste grupo de cem marcas/produtores participantes.
“A Tommy Hilfiger como líder da indústria de jeans e uma das primeiras marcas a inscrever-se no The Jeans Redesign, demonstra como todos podemos trabalhar juntos para redesenhar o futuro da moda”, sublinha François Souchet, Make Fashion Circular Lead, EMF. As primeiras peças circulares de jeanswear da Tommy Hilfiger guiadas pelos princípios do programa foram apresentadas na primavera do ano passado. Cinco pares de jeans e dois blusões foram pensados e feitos para durarem, para serem rastreáveis e recicláveis.
Os princípios circulares levaram à utilização de botões destacáveis e de tecido orgânico; à substituição dos rebites metálicos por tachas; e à eliminação dos fechos metálicos e da etiqueta de pele. As instruções de manutenção, dicas de como consertar, doar ou reciclar a peça foram colocadas nos bolsos, no interior das calças e dos blusões. “Como marca de moda líder, temos a responsabilidade de conduzir a transição para uma economia circular e estamos orgulhosos de trabalhar ao lado da Ellen MacArthur Foundation para conseguir isso” enfatiza Martijn Hagman, CEO da Tommy Hilfiger Global.
A Guess por sua vez, apresentou no outono passado os seus jeans Guess x Jeans Redesign após a adesão ao programa homónimo. Destacando a importância da produção com uma tecnologia de lavagem que reduz o consumo de água. Os seus jeans circulares também foram pensados para reduzir o desperdício e a dependência de matérias-primas virgens deste sector. Elegendo naturalmente o algodão orgânico e o algodão reciclado para facilitar o processo de reciclagem. A marca redesenhou os tradicionais detalhes da peça em que os rebites de metal foram substituídos por etiquetas bordadas. Atualmente as gangas representam um quarto da totalidade das coleções da Guess. Com a introdução dos princípios da economia circular, a empresa ambiciona que setenta e cinco por cento da sua produção de jeans seja circular, até 2024.
A novidade desta estação vem da Levi’s que acaba de lançar uma última versão dos icónicos 501, agora circulares. Esta nova versão surge da evolução dos jeans 502 e dos jeans High Loose, lançados no ano passado, feitos de algodão orgânico e de Circulose. Uma fibra proveniente da ganga pós-consumo e de resíduos têxteis industriais que dão origem ao algodão reciclado desenvolvido pela Renewcell, que reaparece novamente nos novos 501.
Onde todos os materiais e componentes usados neste modelo foram pensados de forma apresentar uns jeans totalmente circulares cumprindo todos os requisitos das linhas orientadoras do programa The Jeans Redesign da EMF. Todas as partes que anteriormente eram feitas e trabalhadas com fibras sintéticas – forros de bolsos, fios, etiquetas e reforços em zonas de grande tensão – foram substituídas por fibras naturais como o algodão e naturais regeneradas como a Circulose, de modo a facilitar a reciclagem da peça no final do seu ciclo de vida.
“Com o objetivo de poupar o máximo de recursos naturais, durante a pesquisa e desenvolvimento de produto, tentamos sempre melhorar o design e os processos de produção que usamos. […] Ao juntarmos detalhes de inovação sustentável a este princípio, estamos a assegurar que é possível resolver um dos nossos principais desafios, do sector e da atualidade.” Afirma Una Murphy, Diretora de Design Innovation da Levi’s.
De facto, a inovação tem sido uma aliada para o redesign do sector dos jeans e de uma das escolas de pensamento da economia circular, a ‘Cradle to Cradle’ (design). Se há oito anos constatei que a peça de roupa mais popular do planeta era completamente insustentável, não estava errada. No entanto, hoje existem cem marcas e produtores de jeans que comprovam que é possível revolucionar processos de produção e fechar o círculo. O que me faz sentir orgulhosa por ser uma jeans lover e continuar a trabalhar como editora de moda, agora especializada em moda sustentável. Consciente de que o redesenhar desta peça icónica é o início perfeito para a jornada rumo à economia circular na Moda.