A RDD trabalha com a natureza para dar vida à cor

Por Sandra Dias

A RDD Têxteis e a Valérius 360 lideram a construção dos novos materiais têxteis. Onde a tecnologia, a biologia e o design dão continuidade ao ciclo da vida.

Por Sandra Dias

Num momento em que se começam a testar e a entender as tecnologias baseadas na natureza, vemos que em Portugal já existem intervenientes dedicados à bio produção. Certamente já ouvimos muitas pessoas dizer que se inspiram na natureza para criar novos processos de produção. Contudo, poucos podem afirmar que trabalham com a natureza para criar soluções sustentáveis.

E é nesta fase que a RDD (Research, Design & Development) Têxteis e a Valérius 360 do grupo Valérius se encontram atualmente. A implementar tecnologias inovadoras e regenerativas no ambiente da indústria têxtil. Falámos com Elsa Parente, CEO da RDD Têxteis na sequência da Conferência Sustainable Fashion Business (SFB) que decorreu no final de outubro, em Lisboa, sobre os novos processos do grupo.

Nesta entrevista Elsa explica-nos como é que o trabalho desenvolvido pela Valérius Hub, que engloba a RDD Têxteis e a Valéruis 360, converge na criação de produtos que ganham vida através da reciclagem ou de organismos vivos. Em que a poupança de energia, de água, de matérias-primas virgens e a biociência, ajudam a reverter o impacto ambiental do sector têxtil.

As equipas da RDD Têxteis dedicam-se à pesquisa e desenvolvimento da nova geração de materiais e processos têxteis que começam a surgir da intercepção da biologia, da tecnologia e do design. Tornando-se assim, a primeira empresa a trabalhar no processo de scale up de uma inovação da biociência. Ou seja, estão a pegar num processo revolucionário de tingimento têxtil (que vem da microbiologia e da genética) desenvolvido em laboratório, para usá-lo à escala industrial.

Ao defenderem uma mudança no pensamento de extração de recursos para sistemas materiais que crescem dentro dos limites planetários tentam, por seu lado, prolongar a vida dos materiais pré-existentes. A Valérius 360 dedica-se à reciclagem do algodão. Atentos ao impacto ambiental da cultura e dos processos da produção desta fibra, aqui todos os desperdícios têxteis, próprios ou de parceiros, ganham nova vida.

Reintroduzindo o algodão reciclado, sem qualquer mistura com fibras sintéticas, de novo na cadeia de processamento têxtil. Em fevereiro deste ano o grupo Valérius foi distinguido com o prémio Inovação da Munich Fabric Start com uma malha termocolada. Cuja inovação assenta precisamente nos materiais utilizados.

Elsa Parente criou a RDD Têxteis a partir do zero. E em apenas quatro anos de existência, esta empresa laboratório encontra-se entre as pioneiras da inovação tecnológica com uma carteira de clientes internacionais igualmente pioneiros no campo da sustentabilidade. Tal como o disse na conferência SFB e sublinhou mais uma vez em entrevista, a importância que dão ao co-work é fundamental, neste novo cenário onde todos são parceiros.

Esta entrevista foi condensada e editada para facilitar a leitura.

Elsa Parente, CEO da RDD Têxteis nas instalações da Valérius 360

Em que parte do sistema da moda está a trabalhar ativamente para causar mudanças positivas? 
Estamos a trabalhar essencialmente na parte de desenvolvimento e inovação no que respeita a matérias primas têxteis, nomeadamente na produção de fibras, nos processos de tingimento e de acabamento. Ou seja, trabalhamos em todas as fases que antecedem a confecção da peça, estamos focados na parte do sistema da moda que tem mais impacto no meio ambiente, que consome mais recursos e que mais polui.

O que mais a apaixona no seu trabalho em moda? 
O desenvolvimento é sem dúvida o que mais me motiva! A pesquisa, as ideias, a troca de conhecimento com pessoas de diferentes áreas quer sejam da indústria ou de académicos; e a capacidade de aplicar estes conhecimentos na produção de matérias têxteis com design apelativo e que refletem o gosto e comportamento dos consumidores.

O que é o projeto Valérius 360? 
É um projeto extremamente inovador, que consiste na implementação dum processo de reciclagem física de materiais têxteis, peças confeccionadas ou outros desperdícios e que com uma tecnologia diferenciadora permite produzir fios têxteis de materiais reciclados com elevada qualidade.

Este projeto tem dois out-puts: fios com misturas de algodão reciclado, para utilização em moda e papel cem por cento algodão reciclado. O grande objetivo é a circularidade e total transparência. Uma vez que recolhemos tudo o que são desperdícios e reintroduzimos novamente na cadeia de processamento têxtil dando origem novamente a peças de roupa, ou não sendo tecnicamente possível, a papel reciclado.

Também recolhemos desperdício de outras empresas. Recebemos outras fibras. Mas aquilo que vamos adicionar – porque temos obrigatoriamente que adicionar uma fibra virgem durante o processo para dar mais resistência e conseguirmos que as fibras sejam fiadas – são sempre fibras de origem natural ou artificiais de origem natural. Tudo que são as fibras sintéticas não vamos utilizar. Podemos reciclar no nosso processo, que é uma reciclagem mecânica, mas não utilizamos. No fundo, o que vamos ter é a diminuição da percentagem das fibras que temos depois no produto final.

Já estão a produzir o papel de algodão?
A parte do projeto do papel de algodão está mais atrasado, mas está previsto que será já no próximo ano.

Que utilização irão dar a esse papel?
Para o nosso consumo, temos muitos consumíveis de papel. E temos uma empresa no grupo que é a Ambar, que também utiliza esta matéria prima. O papel pode ser utilizado em muitos produtos, podem ser caixas, podem ser cartões de visita, brochuras ou embalagens.

Quais são os passos do processo de reciclagem?

  • Recolha dos desperdícios/ seleção por cor e composição
  • Esfarrapamento/ trituração
  • Fiação
  • Produção de papel
  • Tricotagem/ tingimento e acabamento
  • Produção de peças

Sendo que a tricotagem/ tingimento e acabamento, e a produção de peças são processos feitos noutras unidades da Valerius.

Desperdício têxtil agrupado por composição e por cor | Valérius 360
Desperdício têxtil triturado | Valérius 360

O que é a reciclagem têxtil? Quais são as diferenças entre a reciclagem mecânica e química?
A reciclagem é um processo de transformação de desperdícios em matérias primas. Ou seja, dar uma nova vida a um produto que seria descartado.

Na reciclagem química, como o nome indica, os desperdícios são alterados quimicamente. Normalmente por tratamentos que quebram as ligações químicas, transformando-se em produtos com a mesma performance do original e com as mesmas ou diferentes funcionalidades.

A reciclagem mecânica consiste numa transformação mecânica dos materiais. Este processo é dividido em dois tipos: reciclagem primária, em que os desperdícios têm origem na própria indústria e têm as mesmas características dos materiais originais.  Reciclagem secundária, em que os desperdícios têm diferentes origens que não a indústria e existe a possibilidade de virem contaminados, tendo características inferiores em relação ao material original.

Qual é sua posição na questão dos polímeros sintéticos versus biopolímeros?
Os polímeros sintéticos são de origem fóssil, ou seja, fontes não renováveis. Desde logo o nosso objetivo é reduzir a zero o consumo destes polímeros. A nossa opção é sem dúvida os biopolímeros porque são produzidos com recurso a fontes renováveis e deste modo o impacto no meio ambiente é muito reduzido.

Apresentou na conferência SFB um processo inovador de tingimento bio sintético desenvolvido pela Colorifix  em parceria com a Universidade de Cambridge. Como é que este processo se destaca dos tradicionais métodos de tingimento?
Existem três grandes diferenças que  são mesmo um destaque muito grande. Não usamos produtos químicos nem corantes sintéticos, recorremos apenas a microrganismos e ao consumo de pouca água.

A poupança de químicos é à volta dos noventa por cento, a poupança de energia está entre os vinte e quarenta por cento e a poupança de água está nos noventa por cento. É revolucionário. É uma poupança incrível. O tingimento é feito em malha. Mas pode ser aplicado em malha, em tecido, em fio, e o tingimento pode ser também na peça. Ainda não estamos a produzir.

Estamos nos ensaios industriais, no fundo, nós somos o parceiro desta empresa que está relacionada com a Universidade de Cambridge. Somos a primeira empresa a fazer o scale up deste processo e estamos na fase de ensaios de melhoramentos. Na fase de afinar os parâmetros, quer seja do equipamento quer seja do processo. Nós estamos aqui num ambiente industrial têxtil a implementar uma tecnologia que veio da microbiologia e da genética.

Portanto, temos aqui ambientes muitos diferentes. É um desafio e estamos na fase de implementação. No início do ano já esperamos estar aptos para produzir em escala industrial. Posteriormente vai ser utilizado na coleção de malhas RDD que depois vai ser utilizado por clientes Valérius. Temos marcas que querem muito [este produto]. Todas as marcas querem ser as primeiras.

RDD Têxteis

A Valérius foi recentemente distinguida com o prémio de Inovação da Munich Fabric Start com uma malha termocolada que desenvolveram. Pode falar-nos da inovação deste produto?
O produto consiste numa malha termocolada, em que as duas faces são malhas produzidas com fios de algodão reciclado/lyocell, fios produzidos no âmbito do Valerius 360 e a pasta de enchimento é produzida em cem por cento lyocell, que é a grande inovação.

As soluções que existem no mercado para pastas de enchimento são maioritariamente sintéticas, de poliéster ou de poliamida. Neste caso produzimos a pasta de enchimento com lyocell. Uma fibra artificial de origem natural feita através de celulose ou pasta de madeira. Esta fibra é naturalmente biodegradável, produzida em circuito fechado ou seja, não produz subprodutos tóxicos, consome menos água e energia.

Quais são para si as principais inovações no sector têxtil/moda dos últimos dois anos?
A moda virtual, compras on-line. O consumo consciente, consumidor consciente e interessado, e tudo o que está relacionado com a reciclagem.

Sente que o consumidor quer realmente tomar conhecimento das medidas estabelecidas e trazidas pela sustentabilidade; ou que as suas opções apenas refletem eco-guilty; ou pior, porque a sustentabilidade é uma tendência de moda?
Neste momento eu sinto que é ainda uma mistura. Apesar do consumidor estar a mudar, sobretudo as novas gerações que são um consumidor mais interessado.

Que quer saber qual a origem, como é que foi feito. Qual o impacto no ambiente, o que isto nos custa em termos de recursos. Que recursos estamos a tirar às próximas gerações. E depois existe ainda – e nós notamos isso em diferentes mercados – a sustentabilidade como uma tendência, como uma moda.

Ainda há marcas que estão a entrar no movimento, não porque realmente sejam esses os seus valores mas porque sentem que a sustentabilidade está a marcar a direção. Então, dizem: “ok, vamos também naquela direção”. Só que também um dia vão acabar por fazer. Porque estão para sair metas e aí com ou sem valores, as marcas vão ter que as cumprir.

Na sua apresentação na conferência SFB sublinhou o co-work. Porquê que a colaboração entre empresas e organizações é tão importante?
O crescimento como empresa ou entidade depende muito daquilo que nós conseguimos criar em conjunto. Porque uma empresa sozinha, pode ser muito boa, ter excelentes colaboradores, mas sozinha não consegue evoluir. Há que existir uma partilha.

Temos que perceber o que é que o cliente precisa. Nós temos que perceber o que o nosso parceiro, fornecedor, nos pode oferecer. É nessa partilha de conhecimento, no fundo, a co-criação e o co-work são aquilo que nos faz crescer. Nós tiramos ideias dos nossos parceiros, nós damos  ideias aos nossos parceiros. E só assim é que conseguimos construir efetivamente e concretizar projetos que nos acompanham no futuro.

RDD Têxteis

Como é que a COVID-19 impactou a indústria da moda, nomeadamente em Portugal? 
Em Portugal teve, e está a ter os dois efeitos, o negativo e o positivo. Temos empresas que continuam a trabalhar, quer seja com artigos de moda em que as vendas on-line dispararam quer seja com a produção de dispositivos de proteção individual. E infelizmente existem as empresas, que não tendo capacidade de adaptação a estas novas realidades, flexibilidade e capacidade de alteração das linhas produtivas, estão a passar muitas dificuldades e muitas estão a desaparecer.

E a Valérius?
Nós estamos a viver bem, estamos a transformar a nossa maneira de trabalhar. Muito também porque o cliente nos obriga a isso, nos faz ir nesse sentido. A Covid-19 veio trazer aquilo que já era uma tendência do consumidor e acelerou-a. Há coisas que estão a acontecer, que prevíamos que iriam acontecer nos próximos anos e que agora num espaço de seis, oito meses, acabaram por acontecer.

Então a nossa capacidade de mudança para trabalhar com este novo modelo de negócio evoluiu em rapidez e em flexibilidade. No entanto temos que trabalhar, nós e as máquinas, cada vez mais nesse sentido, no sentido de não fazer desperdício. Estamos quase a produzir à medida. Aquele modelo de negócio em que o cliente coloca uma encomenda, imagine, com dez mil peças e depois vai vender na loja ou no online e só vende cinco mil – isto acontece cada vez menos e vai deixar de acontecer.

Estima-se que o consumo vai reduzir aproximadamente trinta por cento. Todos temos que trabalhar no sentido de produzir só o que vai ser consumido. E se o consumo vai reduzir, toda a cadeia tem que reduzir o que está a produzir. Em paralelo temos esta questão do desperdício que produzimos. Infelizmente a indústria têxtil é uma das mais poluentes do mundo. Mas isto também faz com que nós tenhamos mais vontade de fazer alguma coisa para contrariar esse impacto.

Como é que prevê o futuro da moda pós-crise?
Para as empresas que conseguirem ultrapassar esta fase, o futuro vai ser promissor. No entanto a maneira de trabalhar e de se fazerem negócios não será mais a mesma.

Porquê?
Porque tudo vai mudar e há coisas que não vão voltar a ser como eram. Nesta questão da economia circular, tudo vai ser diferente. O consumidor é diferente, estas gerações vão trazer consumos e querer produtos que não eram os que nós [indústria têxtil]  produzíamos anteriormente. Aquilo que o consumidor procura tem mudado muito.

Qual é o maior desafio que este sector enfrenta rumo à sustentabilidade?
Preço e consciencialização do consumidor. Inevitavelmente os preços não são os mesmos quando trabalhamos com produtos mais sustentáveis, portanto a sensibilização dos consumidores e clientes é um desafio que temos que superar.

Quanto tempo mais será necessário para que haja uma redução dos preços neste tipo de produtos mais sustentáveis? Afinal de contas há uma notória redução de consumos energéticos, hídricos e de matérias-primas virgens.
É uma resposta difícil. Em alguns processos vamos ter essa redução. Noutros a capacidade que nós temos e que estamos a criar. No caso da reciclagem para produzirmos fibras com qualidade muito idêntica a uma fibra  convencional, em termos de processo, ainda não temos uma poupança a nível de energia e de equipamentos.

Estamos a fazer uma poupança em termos de recursos mas em termos de processo e de equipamento não existe essa poupança. A procura por este tipo de artigos também vai contribuir para essa redução. Para já, ainda não está escalado. Há uma procura mas existe ainda uma dificuldade mesmo em algumas matérias-primas.

Estruturalmente a procura vai fazer com que as coisas estabilizem e se calhar daqui a um ano estamos a falar de preços que poderão até estar equivalentes. Mas não sabemos. É um percurso que se está a fazer. E com a tendência, nós notamos isso, há algumas fibras que nos últimos anos o consumo tem reduzido bastante e outras tem aumentando muito. Portanto os preços acabam, ao fim de algum tempo, também por estabilizar. É um processo normal.

Qual é o seu motto para uma moda mais sustentável?
Sermos todos mais conscientes. O consumidor é a chave, portanto quanto mais consciente ele for mais a indústria trabalhará nesse sentido.

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