Sustentabilidade & Luxo

Por Sandra Dias

Será que estes dois conceitos podem ‘andar de mãos dadas?’ Segundo Sofia Zagari, criadora do projeto Mia Luxury Vintage. “SIM!”

Por Anett Bohme

Numa conversa descontraída, Sofia Zagari conta como o seu negócio de moda vintage de luxo se tem vindo a desenvolver. Como acaba por contribuir para a sustentabilidade e porquê acredita que esta também começa em casa.

Sofia Zagari na sua sala de estar

Sofia Zagari

Com 48 anos, Sofia Zagari, portuguesa, casada com um italiano, é mãe de quatro filhos. A família mora em Alfama numa casa espetacular de dois pisos, recheada de mobiliário e peças vintage. Confortavelmente instaladas num dos enormes sofás na sua sala gigante com vista sobre o Tejo, conta-me de onde vem a sua paixão pela roupa em segunda mão.

“Venho de uma família muito grande, sou das mais novas, e sempre se herdou roupa e até queríamos usar a roupa dos mais velhos. As peças eram boas, muitas vezes feita por costureiras, e duravam muito tempo podendo passar de irmãos para irmãos.” Sobre o seu primeiro contato com roupa vintage de luxo, Sofia Zagari relembra os seus 17 anos, quando num programa de intercâmbio escolar, viveu durante um ano em Pittsburgh, nos EUA.

“Foi aí que comprei, penso, por dez dólares uma camisola de malha da Chanel, preta com estrelinhas douradas. Como era bastante comprida para mim, usava-a com um cinto… um visual bastante diferente das outras teenagers americanas na high school.”

E continua, “por isso, esta paixão já é de longa data. Também porque nunca quis vestir-me igual às outras pessoas. Ainda por cima sou pequena e não é fácil encontrar roupa no meu tamanho nas lojas normais.”

Do corporate para a pop-up

Desde então Sofia fez o curso de gestão e acabou por trabalhar durante muitos anos num banco americano. Casou e uns anos mais tarde deixou de trabalhar para se dedicar à família.

Sofia partilhou que “um pouco antes de chegar à minha quarta gravidez, ainda tinha muita roupa da minha vida mais corporate que já não ia voltar a usar. Assim, resolvi criar com uma amiga, uma loja pop-up para a venda deste vestuário mais formal, que correu muito bem.”

A busca

Isto foi há cinco anos e desde então Sofia não para na sua procura incessante de peças especiais, sobretudo vintage. Contudo, confessa que esta tarefa é facilitada pelo facto de ter uma família numerosa, com muitas tias e pessoas de gerações mais antigas que sempre valorizaram a roupa e a sua qualidade.

Elas têm peças especiais, nem sempre de marcas, mas feitas por costureiras e com uma qualidade fantástica. Enfatizando “há sempre peças interessantes para vender. Além disso, tenho amigas e conhecidas que por vezes compram roupa de grandes costureiros, que às tantas já não usam.

A minha sogra é italiana e uma grande cliente e colecionadora de peças de costureiros de renome. Ela não só me abriu os olhos a todo um mundo da alta costura como já me deu várias peças especiais e até raras.”

Pormenor de casaco Chanel na Mia Luxury Vintage

Desenvolver uma marca

O crescimento deste seu conceito de curadoria e venda de roupa vintage e luxo deu-se de uma forma quase orgânica. Certamente muito através do learning by doing e acompanhando o desenvolvimento do mercado.

Sofia adiantou que “comecei com uma loja física que passou para um espaço by appointment only, mas atualmente vendo exclusivamente online. Porque vendo muito para fora de Portugal. Não quero crescer demais. Até porque chegou uma altura em que eu já nem tinha a capacidade física necessária para aceitar mais roupa.

O meu objetivo é encontrar e vender peças muito especiais para poder continuar a controlar todo o processo. Desde a angariação até à venda final. Há muito mercado para peças em segunda mão mas prefiro apostar no vintage e no luxo. Mas luxo mesmo. Em marcas como Chanel, Hermès, Yves Saint Laurent* e Louis Vuitton.

Há espaço para crescer? Sim, mas em Portugal não há assim tantas pessoas que têm as peças que eu quero. Claro que, por vezes encontro verdadeiros tesouros e depois há as da minha sogra e dos contactos dela.

Também tive a sorte de conhecer várias senhoras francesas que vieram viver para Portugal e traziam peças muito boas. Como o estilo de vida aqui é mais descontraído acabaram por deixar de usá-las. Contudo, mesmo destas peças faço uma seleção criteriosa. No entanto posso aceitar perfeitamente uma peça vintage de um designer como Jean Paul Gaultier, simplesmente porque faz parte da história da moda.”

Pormenor de casaco Yves Saint Laurent, Alta Costura 2002, na Mia Luxury Vintage

A importância da manutenção

Questionada sobre onde se encaixa o fator de sustentabilidade, Sofia responde que “tudo começa por ensinar as nossas crianças a dobrarem a roupa como deve ser porque assim dura mais tempo e pode transitar de seguida para os irmãos mais novos. Já nós, devemos ainda lavá-la e pendurá-la com mais cuidado.

E imaginemos que por alguma razão já não nos serve. Esta peça talvez ainda pode ser arranjada ou então servir a outra pessoa. Se bem que já não é fácil encontrar boas costureiras, cerzideiras e até sapateiros. E quando são bons no que fazem, costumam ser caros.

No entanto, se compramos uma camisola de caxemira por 60 euros de uma das grandes cadeias de fast-fashion não vamos gastar 50 euros para cerzi-la. Agora, se compramos uma da Chanel, de uma caxemira extraordinária, mas com um buraquinho, já teremos o cuidado de mandar arranja-la.

Também há que se manter em mente que as peças de luxo são caras pela marca, sem dúvida, mas sobretudo pela sua qualidade excepcional e se forem bem tratadas são feitas para durarem uma vida e não apenas uma estação.”

É importante referir o respeito pelas nossas coisas e mais ainda, obviamente, quando se trata de peças de grande valor, pois isto inclui o respeito pelos artesãos que as confecionaram.

Acerca dos cuidados com as nossas melhores peças, Sofia explica que “as boas carteiras devem ser guardadas nos seus saquinhos de pano. Nos sapatos devemos pôr esticadores mal os descalçamos.

Já as malhas boas, dobro e guardo-as individualmente em saquinhos de pano. Porque pendurá-las em cabides pode deformá-las. A lã acabaria por esticar com o seu próprio peso. Aliás, as malhas boas já vêm com o seu próprio saquinho, sempre em materiais naturais que as deixam ‘respirar’ ao mesmo tempo que evitam as traças.

Na lavagem das caxemiras também é preciso ter cuidado e devemos secá-las deitadas em cima de uma toalha. Tudo isto dá trabalho, claro, mas é imprescindível para a longevidade das nossas peças favoritas.”

Brincos Yves Saint Laurent na Mia Luxury Vintage

Viva a individualidade!

Sofia defende “que as nossas peças preferidas servem para celebrar a nossa individualidade ao contrário de irmos logo a correr para comprar algo que vimos no post de uma estrela do Instagram. Ou seja, pratiquemos um pouco mais de slow-fashion ao contrário da fast-fashion, que é tão mais comum hoje em dia.

A moda atual não é feita para durar, mas começa a haver mais atenção à reciclagem. Assim, algumas lojas de fast-fashion já têm contentores onde podemos deixar as peças que já não queremos, para serem recicladas. Por isso acho que estamos no bom caminho para uma maior sustentabilidade.

O que falta ainda por aqui é um maior apoio na recuperação de peças antigas. Como as lavandarias especializadas. Aparecem-me peças extraordinárias que estiveram (mal) guardadas durante anos, em casas de campo por exemplo, e que estão cheias de manchas de humidade. O que as deixa, quase sempre, irrecuperáveis.

Mesmo assim vendi, há tempos, uma peça icónica de John Galliano, cheia de manchinhas amarelas. O comprador não se importou e resolveu esta questão sem problemas em Londres.”

Pensar global

Quando a conversa volta para as grandes empresas Sofia é da opinião que “há cada vez mais novas tecnologias e tem de ser possível encontrar mais soluções sustentáveis para lidar com este consumo excessivo. Também penso que este se deve a uma questão social.

Houve um período de boom, provavelmente mais para as pessoas de meios menos favorecidos, que de repente tiveram acesso a tanta coisa que até a data nunca tiveram. Por isso, até é mais que legítimo que este consumo excessivo tenha começado a proliferar, nomeadamente nos anos 80.

Entretanto passaram mais de 30 anos e estamos em boa altura de parar para pensar de uma forma mais global. Quando pensamos no ciclo de vida de uma peça este já não pode ser linear. Tem de ser circular.”

“Há muitas razões para deixarmos de querer uma peça de roupa, mas não há nenhuma para não a reciclar ou reaproveitar de alguma forma.”

Esclarecendo esta ideia Sofia reafirma que “tal como já falamos, os artigos podem ir parar a uma loja de roupa em segunda mão ou, se estiverem mesmo estragados, podem sempre servir para trapos de limpeza em vez de comprarmos panos num supermercado. Por isso insisto neste ponto: a sustentabilidade começa em casa!

Se todos fizermos um bocadinho, contribuímos, nem que seja com pouco, para um mundo melhor. Sem estarmos sempre a responsabilizar apenas as grandes empresas, as organizações ambientais e os governos.”

A paixão pelo vintage, estilo e emoções

O estilo da Sofia é chique e aparentemente sem esforço e, claro, temos curiosidade em saber qual é a sua peça de roupa mais antiga. Depois de pensar um bocado responde: “Tenho peças de roupa da minha avó mas a minha mais antiga não é de luxo.

São umas calças de ganga da Levi’s que comprei há décadas nos EUA. Comprei-as em segunda mão e são um modelo que desapareceu. Não é um clássico 501 e já não as uso. Mas volta e meia olho para elas porque fazem parte de uma altura da minha vida e foram muito amadas.

É que a roupa também tem uma parte emocional importante, sobretudo no vintage. Apesar de nem sempre termos a história por detrás de uma peça. Quando compramos um fato para uma ocasião especial vamos sempre associá-lo a este evento e aos sentimentos bons que trouxe.

No meu caso, e como tenho quatro crianças, há peças que marcam uma época como o casamento, a espera de um dos bebés…acabamos por criar uma ligação emocional. Também já aconteceu clientes venderem presentes do ex-namorado precisamente porque deixaram de ser namorados.”

Quando perguntada em relação a sua peça favorita, Sofia considera que “a minha peça mais estimada talvez seja um casaco Saint Laurent Paris* original da coleção das bailarinas russas em 1976 (há quem afirme que foi a que ele mais gostou de fazer, apesar de não ter sido das com maior sucesso).

Em veludo preto, cheio de froufrous e ombros acentuados. Tem o meu tamanho, o 34 e adapta-se perfeitamente a várias ocasiões e não apenas às grandes festas. Adoro esta liberdade de misturar peças.

Uma coisas que as miúdas atualmente fazem tão bem, mas que na minha geração não era habitual. Acho giríssimo, ao contrário de um look total vintage. Deve-se misturar o vintage com peças atuais. Sim, sempre!”

Martine Love - marca portuguesa com bordados de Viana

Artesanato & moda

Quando falamos do mercado português, Sofia considera “interessante este ressurgir do artesanato nacional pelas mãos de designers como a marca Martine Love, que apresenta coleções atuais, inspiradas no estilo vintage, feitas à mão e com bordados de Viana.

Porque valorizar o artesanato e as tradições também ajuda a reabilitar estas tradições e acaba por ser uma forma de moda sustentável. Além disso mostra que estes ofícios não servem só para as clássicas toalhas e o restauro mas também à criação de novas visões da moda. E não vejo porque não há de haver um esforço maior neste sentido, inclusivamente com mais ajuda a estas iniciativas, por parte das instituições.”

Ao fim de uma hora de conversa com Sofia Zagari descobrimos que a Mia Luxury Vintage é muito mais que um negócio. É antes uma grande paixão pela moda e o vintage de luxo, onde a curadoria, a procura e o respeito pelos artesãos se completam.

*Nota do terramotto:

A Casa Yves Saint Laurent, atualmente Saint Laurent Paris, em 1966 teve uma segunda linha que marcou o inicio do pronto-a-vestir na moda. Mais jovem e acessível a Saint Laurent Rive Gauge Paris deve o seu nome à localização da primeira loja,  no lado esquerdo do rio Sena, em Paris (a margem oposta da Casa mãe). Nessa década apenas as coleções de Alta Costura  tinham a marca Yves Saint Laurent.  Com inicio da direção artística de Hedi Slimane a marca Yves Saint Laurent foi alterada para Saint Laurent Paris, recuperando essa parte da história da marca, só que agora abrangendo as coleções de pronto-a-vestir e de Alta Costura. Esta distinção  marca  o período de tempo das criações de Yves Saint Laurent das dos seus predecessores,  a partir de 2012, na história da Casa.

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